Eles não eram alemães…

Os primeiros colonos imigrantes não eram alemães e chegaram a São Leopoldo antes de 25 de julho de 1824. Mas então, em que dia de julho esses colonos, de fato, chegaram a São Leopoldo? E por que eles não eram alemães?

© Rodrigo Trespach

Chegada dos imigrantes em SL em quadro de Ernst Zeuner

A palavra do presidente, 23 de julho
A data 25 de julho é até hoje comemorada como a data magna da Imigração Alemã no Brasil. O dia denomina, inclusive, inúmeras associações culturais voltadas às tradições germânicas. Mas a verdade é que os primeiros 39 colonos chegaram ao local, o Porto das Telhas, hoje Praça do Imigrante, em São Leopoldo (RS), pelo menos dois dias antes. Eles haviam deixado a capital do império no bergantim Protector no final de junho e chegado a Porto Alegre no dia 18 de julho.

Foram recebidos pelo presidente da província José Fernandes Pinheiro (1774-1847), depois Visconde de São Leopoldo, que, após alguns dias, os encaminhou para a futura colônia. Em carta assinada em 23 de julho de 1824, o presidente informa o Rio de Janeiro que os primeiros colonos já haviam deixado Porto Alegre naquela data com destino a Feitoria. Antes, haviam sido acomodados e assistidos com “carne, farinha, algum legume e tempero de toucinho e sal”.

Por mais que houvesse ocorrido algum atraso devido ao tempo ou ao transporte, é muito provável então que os primeiros colonos tenham chegado a São Leopoldo antes do dia 25, data consagrada por lei estadual de 1924 – ano do centenário. Em 2005 o Congresso Nacional instituiu o dia 25 de julho como o dia Dia Nacional da Etnia Teuto-Brasileira.

Mas não eram alemães?
Não no sentido moderno. A Alemanha só se tornou a Alemanha, como a conhecemos hoje, com suas fronteiras politicamente definidas, em 1871, quando Bismarck conseguiu reunir sob a mesma coroa, a de Guilherme I da Prússia, os muitos países de língua comum – com exceção da Áustria. Língua comum que era, segundo definição do antropólogo José Luiz dos Santos, “a expressão de uma nação que não tinha Estado”.  Não existia, antes de Bismarck, uma nação alemã ou um Estado alemão, coeso e homogêneo.

Carlos H. Hunsche, em seus muitos trabalhos sobre a presença alemã no Brasil, referia-se sempre a divisão territorial alemã como uma “multicolorida colcha de retalhos”. O célebre J. Wolfgang von Goethe (1749-1832) disse certa vez que “não temos uma cidade, nem mesmo uma região da qual possamos dizer: – Está é a Alemanha; perguntado pela Alemanha em Viena, se ouvirá: – Aqui é a Áustria! E, perguntando por ela em Berlim: – Aqui é a Prússia!”.

A Alemanha do início do século 19 era composta por vários Estados, dos mais diferentes tamanhos. Eles compunham a Confederação Alemã, criada após o Congresso de Viena (1815). Além da Áustria e da Prússia, haviam 33 Estados e quatro cidades-livres, em sua maioria com dialeto próprio, leis e características culturais muito diferentes. Entre os pioneiros de 1824, em São Leopoldo, havia hamburgueses, bávaros, renanos e hessianos.

Desta forma, o “alemão” que chegou ao Brasil no início do século 19 tem pouco a ver com aquele que chegou após a década de 1870 quanto à identidade política. A referência a alemães antes disso está associada ao conceito lingüístico-cultural, incluindo, desta forma, alguns personagens que hoje seriam austríacos, alemães, luxemburgueses, suíços e até mesmo poloneses, tchecos, húngaros e italianos.

Nos últimos anos alguns historiadores passaram a usar termos como “germânicos”, “germanidade” ou “presença teuta”, para se referir à imigração que envolveu os muitos países de língua alemã antes da formação do Império Alemão (1871), ou seja, o que se pode chamar de Alemanha moderna – ainda que ela sofresse modificações após 1945, devido a Segunda Guerra Mundial.

Alemanha 1820

E a Bahia e Nova Friburgo?

Tentativas isoladas de implantação de colônias alemãs foram realizadas na Bahia, entre 1816 e 1818. Todas, no entanto, sem alcançar o sucesso esperado.

Só depois do casamento de D. Pedro com a arquiduquesa austríaca Leopoldina de Habsburg-Lorena, a vinda de cientistas de língua alemã para a América e a independência brasileira, com a necessidade de colonos e soldados, o país finalmente deu início, de modo organizado, ao processo imigratório de populações alemãs ao Brasil.

Suíços de língua alemã já haviam chegado ao Rio de Janeiro, em 1819, e fundado Nova Friburgo, na região serrana do estado. Em janeiro de 1824, para lá  também foram enviados os primeiros colonos de língua alemã, chegados na capital do império no navio Argus. Em 3 de maio eles chegaram a colônia carioca, dois meses antes de São Leopoldo.

© Rodrigo Trespach – www.rodrigotrespach.com
Todos os Direitos Reservados. Lei Nº 9.610, de 19.02.1998.

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