O Tratado de Versalhes

O tratado de Versalhes

“18 de janeiro, sábado. A Conferência aberta oficialmente por Poincaré. Sessão Plenária no Quai d’Orsay às 3h15. Clemenceau um tanto autoritário com as Pequenas Potências…Parece uma metralhadora…”. Esta é a observação que Harold Georg Nicolson (1886-1968) anotou em seu diário durante a abertura da Conferência de Paz de Paris, em 1919.

Nicolson, filho de britânicos nascido em Teerã, atuou como membro júnior da delegação diplomática inglesa na Conferência que resultou no que ficou conhecido como Tratado de Versalhes. Ele tinha pouco mais de trinta anos quando o tratado, que decidira o futuro da Europa pós Primeira Guerra Mundial, foi assinado em junho daquele ano.

Seis meses depois da anotação de janeiro, as últimas palavras: “[…] 28 de junho, sábado […] Há uma tensão generalizada. Eles assinam. Relaxamento geral […] Permanecemos sentados enquanto os alemães são conduzidos como prisioneiros do banco dos réus, seus olhos ainda fixos em algum ponto distante do horizonte. Ainda ficamos sentados para permitir que os cinco grandes passassem pelo corredor. Wilson, Lloyd George, os Domínios e outros. Finalmente Clemenceau, com seu passo bamboleante e ridículo […]”.

Em 1919, a Conferência de Paz de Paris reuniu mais de trinta países em torno da elaboração de um acordo que deveria ser a continuação do armistício firmado em Compiègne, em novembro do ano anterior, e o marco de encerramento da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Tinha como objetivo geral, por fim a qualquer possibilidade de um novo conflito de mesma proporção. O que se viu, no entanto, foi um dos maiores equívocos diplomáticos de todos os tempos.

O Tratado de Versalhes, que supostamente viria definitivamente pacificar o mundo, acabou por se tornar instrumento de humilhação, responsável pela crise econômica e o nascimento do sentimento de revanchismo principalmente dos alemães. Propiciou, desta forma, condições para a ascensão do nazismo na Alemanha e a eclosão da Segunda Guerra Mundial, apenas vinte anos depois daquele 28 de junho de 1919.

No poder depois de uma década de agitação política, no qual o Tratado de Versalhes fora fonte de suas vociferações, Hitler fará questão de derrubar e pisar em cada um dos artigos impostos aos alemães na capital da França.

O livro O Tratado de Versalhes – A paz depois da Primeira Guerra Mundial de Harold Nicolson, uma publicação da Globo Livros que marca o centenário do início da Primeira Guerra, revela com riqueza de detalhes os bastidores das negociações que formataram o histórico documento.

Então um jovem diplomata especializado em questões territoriais, recém saído do Balliol Collge, em Oxford, Nicolson descreve, com a emoção de quem percorreu os corredores dos sessões, as ações e intenções dos grandes líderes, como o presidente norte-americano Woodrow Wilson, o autor dos “Quatorze Pontos”, dos “Quatro Princípios” e “Cinco Detalhes” que norteariam a nova política mundial. O ideal de Wilson, que para Nicolson, se tivesse sido seguido à risca, teria evitado os desastres posteriores.

“Povos e províncias não devem ser trocados e destrocados de uma soberania a outra como permuta de mobiliário ou de peões num jogo de xadrez”, escreveu o presidente no segundo princípio que deveria reger as nações modernas. Uma clara tentativa de evitar outro tratado como o de Viena, em 1815, marcado pela política de compensações.

Nicolson descreve ainda as intenções e ações do primeiro-ministro britânico David Lloyd George e do premiê francês Georges Clemenceau, além das circunstâncias que levaram a escolhas irrefletidas, como a implacável reparação aos danos que a Alemanha causara aos países vencedores – justamente o contrário do pregado por Wilson – o que acabou por criar uma crise ainda maior do que a que visava resolver.

O Tratado de Versalhes se divide em duas partes. Na primeira, “Memórias da Paz de Versalhes”, Nicolson faz uma avaliação crítica do encontro diplomático, relacionando a desorganização, os erros, os infortúnios e as desavenças que levaram a um acordo final completamente diferente daquele que havia sido imaginado inicialmente como justo, viável e favorável ao restabelecimento da paz na Europa. Na segunda parte, “Diário da Conferência de Paris”, apresenta trechos selecionados do diário que escreveu ao longo dos seis meses de missão diplomática – originalmente escrito em códigos e notas taquigráficas, desde a partida de Londres para Paris até a assinatura do tratado.

Quando o livro foi publicado em 1933 – o mesmo ano da ascensão de Hitler ao poder na Alemanha – Nicolson fez questão de esclarecer que, mais do que um registro histórico, ele buscava reproduzir sua própria visão da “infeliz e doentia atmosfera” da Conferência de Paz. Não foi por menos, que as últimas palavras escritas no diário, no dia da assinatura do tratado, foram “Para cama, enjoado da vida”.

Por Rodrigo Trespach

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