A lista de Schindler: A verdadeira história

A lista de Schindler

Pemper escreveu mais do que um livro de memórias, teve a sensibilidade pouco comum de se preocupar em apresentar também um livro de reflexões, sem autopromoção e sentimento de vingança.

“Quando me perguntam se odeio os alemães, só posso responder com um sonoro ‘não’. O ódio não nos leva adiante e não nos fornece reconciliação”, escreveu Mieczyslaw Pemper. É uma afirmação que surpreende a muitos, afinal Pemper é sobrevivente do terror de um campo de concentração nazista. Ele perdeu quase 70 familiares; dos cerca de 56 mil judeus de sua cidade natal, apenas 4 mil retornaram a seus lares depois da guerra.

E Mietek – diminutivo de Mieczyslaw – não é um simples sobrevivente, ele fez parte do que se denominou de “resistência inteligente”, a operação posta em ação por Oskar Schindler e um grupo de colaboradores judeus que conseguiu ludibriar a SS de Hitler e Himmler e salvar da morte mais de 1.200 judeus poloneses, a maioria sobrevivente do extermínio do gueto de Cracóvia, na Polônia ocupada por forças alemãs.

“Sempre tentei compreender os motivos por trás dos acontecimentos e do comportamento das pessoas e, quando necessário, me defender da discriminação, injustiça e violência”, afirmou Pemper em seu livro A lista de Schindler: A verdadeira história (Geração Editorial, 4ª reimpressão em 2013). Afirmação que torna o relato do polonês livre de conceitos preconcebidos sobre a vida dos judeus perseguidos pelos nazistas na Polônia do Governo Geral, o Holocausto ou o comportamento de muitos alemães e oficiais da SS. E Pemper, que tinha apenas 23 anos quando foi recrutado para servir de escrivão e estenógrafo de Amon Göth, o comandante do campo de Płaszów, nas proximidades de Cracóvia, viveu o centro da burocracia nazista.

O cargo que assumiu em março de 1943 foi tão inusitado – provavelmente caso único durante a Segunda Guerra – que nos julgamentos contra criminosos nazistas pós-guerra, os superiores hierárquicos de Göth quase não acreditaram que o comandante do campo havia colocado um judeu em um posto-chave, com acesso a correspondência privada, oficial e secreta de líderes nazistas, e que tal detendo pudesse trabalhar no escritório do campo durante quatorze horas diárias sem ser importunado pelos guardas da SS. Tal posição, que Pemper ocupou até setembro de 1944, permitiu-lhe conhecer não apenas a estrutura de Płaszów, mas a rede de campos de trabalhos forçados e de concentração até a complexa burocracia implementada pela SS para o extermínio em massa do povo hebreu.

A lista de Schindler, que também dá nome ao famoso e premiado filme de Steven Spielberg, que por sua vez foi baseado no romance homônimo de Thomas Keneally, é a visão de Mietek Pemper, “a verdadeira história”, do que realmente ocorreu em Płaszów, e depois em Brünnlitz, o campo para onde os “judeus de Schindler” foram transportados antes de, finalmente, serem libertados pelo Exército Vermelho.

Longe da visão hollywoodiana de Spielberg e de Izak Stern, um dos judeus que teriam elaborado a hoje mundialmente conhecida “lista de Schindler” e que o cineasta norte-americano transformou no único a formulá-la, Pemper consegue relatar como Oskar Schindler conseguiu salvar das câmaras de gás a vida de milhares de pessoas.

Com acesso quase que ilimitado a Amon Göth, Pemper conseguiu, obstinada e astuciosamente, usar a burocracia nazista contra o próprio comando da SS. Foi através dele que Schindler conseguiu evitar o envio dos judeus de Płaszów para Auschwitz (Oświęcim) e a morte certa, e direcioná-los para Brünnlitz na fase final da guerra, pretensamente para trabalharem na fabricação de peças “decisivas para a vitória” alemã.

Mietek Pemper reconhece em Schindler um sincero protetor dos judeus, realmente dedicado a salvação daqueles que estavam sob sua custódia na fábrica anexa ao campo. Um herói humano, com seus defeitos e vaidades. Este talvez seja o grande diferencial no relato de Pemper, auxiliado pelas doutoras Viktoria Hertling e Marie Elisabeth Müller, ele escreveu mais do que um livro de memórias, foi sensível ao se preocupar em apresentar também um livro de reflexões, sem autopromoção e sentimento de vingança sobre os acontecimentos que presenciou.

Com um grande senso de justiça, Pemper não julga sem sabedoria: houveram judeus que ajudaram no assassinato de judeus, como alemães que tentaram agir contra o nazismo. Assim, não deixou de lembrar a ação do soldado Dworschak, um membro da SS, que se negou a fuzilar sumariamente por ordem de Göth uma prisioneira judia e seu bebê de colo, criticou duramente judeus como Wilek Chilowicz e Marcel Goldberg, que se aproveitou de seu status dentro da comunidade judaica para ser útil aos nazistas e com isso “vender” favores, assim como manifestou a Steven Spielberg seu desconforto com algumas inverdades mostradas no filme – o caso de Göth com a empregada judia Helene Hirsch e a versão de que a lista fora confeccionada unicamente por Izak Stern, quando na verdade várias pessoas contribuíram para isso, entre outros detalhes históricos que foram alterados a fim agradar o público do cinema. Para Pemper, Spielberg também reduziu o número de cenas das crueldades da SS, principalmente para com as crianças e idosos, obviamente pelo mesmo motivo.

De retorno a faculdade, depois da guerra, tentou entender os mecanismos sociopsicológicos que causaram as profundas transformações na sociedade alemã a ponto do país permitir a existência de homens como Josef Mengele, Heinrich Himmler ou Reinhard Heydrich.

Lamentou que parte da população alemã, apesar de não compartilhar com as ideias antissemitas de Hitler, se mostrou indiferente ao destino dos judeus; assim como parte dos líderes da SS com quem teve contato ou contra o qual serviu de testemunha de acusação nos julgamentos ocorridos entre 1946 e 1950, como Amon Göth, Willi Haase, Gerhard Maurer e Rudolf Röss, o temido chefe do campo de concentração de Auschwitz, não tenham manifestado qualquer sentimento de remorso pelas atrocidades cometidas.

O caso de Dworschak serve como exemplo de que pode existir uma possibilidade de escolha, mesmo quando ela parece ir contra todos.”Se deve avaliar as pessoas de acordo como a maneira como elas se comportam em situações difíceis de vida, se se engajam pelos outros, se ajudam os outros ou não”, escreveu Pemper. “A democracia não pode sobreviver sem um pensamento contrário produtivo nem sem autodeterminação, reflexão crítica, empatia e responsabilidade moral”, afirmou.

Responsabilidade moral e senso de justiça levaram Oskar Schindler a agir contra seu povo e seu país. A  gratidão foi demonstrada ainda antes do final da guerra. Na noite de 8 para 9 de maio  de 1945, os judeus do campo de Brünnlitz entregaram a Oskar Schindler um anel em ouro, retirado dos dentes de um prisioneiro, com a inscrição em hebraico do Talmude: “Quem salva uma vida humana, salva todo o mundo”.

Por Rodrigo Trespach

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