A autobiografia de Martin Luther King

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Quando Martin Luther King foi assassinado em 1968 ele tinha apenas 39 anos, mas desde muito tempo havia se tornado um dos maiores símbolos da luta por igualdade, justiça e paz no mundo.

Bacharel em sociologia e teologia, em 1954 Martin Luther King assumiu o pastorado na Igreja Batista da Avenida Dexter, em Montgomery, no Alabama, sul dos Estados Unidos. “Minha vocação para o sacerdócio não foi algo de milagroso ou sobrenatural. Pelo contrário, foi um chamado interior para servir à humanidade”, escreveu. Ainda que recebesse o doutoramento em teologia sistemática pela Universidade de Boston no ano seguinte, foi em Montgomery que Luther King deu inicio as atividades que o fariam um dos homens mais importantes do século XX.

Em A autobiografia de Martin Luther King (Zahar, 2014), o historiador Clayborne Carson recria, com base em centenas de milhares de documentos autobiográficos do pastor norte-americano, muitos textos inéditos, incluindo cartas e diários não publicados, o que possivelmente teria se transformado na autobiografia de Martin Luther King se sua vida não tivesse sido abreviada pelo atentado em Memphis.

Como diretor do Martin Luther King Jr. Research and Education Institute, da Universidade Stanford, Carson é o organizador do “espólio de King” e o livro que publicou com este material é a tentativa de permitir ao público geral acesso a uma parte do imenso legado que King deixou e que, inacreditavelmente, apesar de sua imensa popularidade, ainda é pouco conhecido.

Em 1 de dezembro de 1955, a costureira negra norte-americana Rosa Parks recusou-se terminantemente a ceder o seu lugar no ônibus a um branco, como ordenava a lei segregacionista, tornando-se o estopim do movimento conhecido por “Boicote aos ônibus de Montgomery” e que marcou o início da luta contra a segregação racial nos Estados Unidos.

Liderados por Martin Luther King, entre outros, a comunidade negra não usou as linhas de ônibus da cidade por mais de um ano, o que acabou forçando a uma mudança na lei segregacionista. “Ninguém abandona seus privilégios sem uma forte resistência”, escreveu ele, enquanto o movimento sofria retaliações, ataques a bomba e a violência da polícia branca. Foi a primeira batalha da grande luta travada por King pelos direitos civis.

A autobiografia de Martin Luther King é a narrativa, em primeira pessoa – o próprio King, destes acontecimentos históricos que mudaram o mundo na década de 1960. Dono de uma cultura, escrita e oratória invejáveis, Martin Luther King não apenas modificou o modo como os norte-americanos se relacionavam com os negros, mas, assim como Mahatma Gandhi, seu personagem inspirador, demonstrou como a política de não violência pode se aplicada na prática.

Tornou-se um símbolo para americanos e vários povos africanos e asiáticos, oprimidos pelo colonialismo europeu durante séculos e que estavam se levantando contra o poder das potências ocidentais no período pós Segunda Guerra e em meio a Guerra Fria.

Em 1964, por sua política de resistência e transformação social através da não violência tornou-se a pessoa mais jovem a receber o Prêmio Nobel da Paz. No mesmo ano, sua “Revolução Negra” havia conseguido do Congresso americano a formulação da Lei dos Direitos Civis, assinada depois pelo presidente Lyndon Johnson. Haviam se passado um século desde a Lei de Emancipação de Abraham Lincoln, que dera liberdade aos escravos, sem integrá-los à sociedade.

Ainda que seu discurso mais famoso tenha sido “Eu tenho um sonho”, realizado em 28 de agosto de 1963 nos degraus do Lincoln Memorial , em Washington, D.C., como parte da Marcha de Washington por Trabalho e Liberdade, pessoalmente penso que a declaração à Marcha da Juventude pela Integração nas Escolas, de 18 de abril de 1959, tenha sido um dos mais emblemáticos, pelo apelo a moral e ao comprometimento com a humanidade como um todo:

Qualquer que seja a carreira que escolham para si mesmos – médico, advogado, professor -, permitam-me que lhes sugira um passatempo para acompanhá-la. Tornem-se dedicados lutadores pelos direitos civis. Façam com que isso seja uma parte central de suas vidas. Isso vai torná-los melhores médicos, melhores advogados, melhores professores. Vai enriquecer-lhes aquele raro senso de nobreza que só pode brotar do amor e do auxílio desinteressado ao próximo. Façam uma carreira de humanidade. Comprometam-se com a nobre luta pela igualdade de direitos. Vocês podem fazer de si mesmos grandes pessoas, de sua nação um grande país e do mundo um lugar melhor para se viver.

O trabalho fantástico de organização que Clayborne Carson deu A autobiografia de Martin Luther King, parece realmente ter atingido seu objetivo. Não tive o privilégio de ter ouvido Martin Luther King falar, mas tenho a impressão de que o ouviria pelo resto da vida, tamanha é a profundidade e a extensão de sua obra. Muito além da luta contra a segregação que o moveu durante a maior parte de sua vida.

Um crítico do relativismo ético comunista, assim como do materialismo pernicioso do capitalismo, Martin Luther King escreveu: “O homem nunca deve ser tratado como um meio para o Estado, mas sempre como um fim em si mesmo…Fins construtivos não podem jamais oferecer uma justificativa moral absoluta para o emprego de meios destrutivos, pois, em última análise, o fim preexiste aos meios”.

Um ativista intelectualizado, lutando contra o racismo visceral, que obrigava os negros a ocuparem lugares separados em escolas, lanchonetes e ônibus, e  proibia sua presença nos cinemas e determinadas áreas das cidades sulistas dos Estados Unidos, Martin Luther King acreditava que um dos males da humanidade era a “paralisia do medo”, que levava o homem de bem a não agir por medo das consequências. “A desumanidade do homem não é perpetrada unicamente pelos atos rancorosos dos maus. Também o é pela inação prejudicial dos bons“, escreveu.

Infelizmente, quatro anos após receber o Prêmio Nobel da Paz, King foi assassinado com um tiro enquanto saia de um hotel em Memphis, em 4 de abril de 1968. Seu legado, no entanto, permanece vivo; é eterno.

Por Rodrigo Trespach

Saiba mais sobre a obra no site da Zahar.

Ou compre o livro na Livraria Cultura.

Curiosidade: você pode baixar o discurso de Martin Luther King “Eu tenho um sonho” em diversas línguas acessando o site do Martin Luther King Jr. Research and Education Institute. Ou ainda ouvir o discurso original (em inglês).

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