O mundo até ontem

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O mundo moderno tem muito a aprender com as sociedades ditas tradicionais. Vencedor do Prêmio Pulitzer com Germes, Armas e Aço, Diamond demonstra em O mundo até ontem como traços dessas sociedades poderiam ser usadas no mundo atual.

Sociedades modernas têm algumas vantagens sobre um passado não muito distante. Viagens aéreas, telefones celulares, computadores e internet não existiam há pouco mais de cem anos e por 100 mil anos o homem (Sapiens) parece ter vivido bem sem essas tecnologias. Sociedades tradicionais ainda vivem sem elas.

Com base em décadas de estudos de campo, entre os habitantes das ilhas do Pacífico, os inuítes das regiões gélidas do Canadá ou Alasca, os índios da Amazônia ou entre os povos do Kalahari, Jared Diamond apresenta em O mundo até ontem: O que podemos aprender com as sociedades tradicionais? (Record, 2014) muitos exemplos com quais poderíamos aprender sobre questões universais como a educação dos filhos, o tratamento dos idosos, soluções de brigas e desentendimentos, avaliação de riscos e manutenção da saúde, problemas de alimentação e do bem-estar.

Cientista conhecido por seus estudos em antropologia, ecologia, geografia e biologia evolucionária, com passagens pelas universidades de Cambridge e Harvard, Jared Diamond é professor de Geografia na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e mundialmente aclamado como um dos mais importantes antropólogos de campo de seu tempo. Em 1997 venceu o Prêmio Pulitzer com Germes, Armas e Aço (Record), livro em que demonstrou como a humanidade se desenvolveu de formas distintas em várias partes do planeta.

“Quando tomamos conhecimento dos modos tradicionais de solucionar conflitos, criar os filhos, lidar com idosos, estar alertas para perigos e praticar rotineiramente o multilinguismo, também podemos decidir que alguns desses traços tradicionais seriam desejáveis e que seria possível incorporá-los.”

É bem verdade que alguns aspectos da “vida tradicional” – associada às sociedades tribais – nos causam horror, como a ausência de propriedade individual, o assassinato de recém-nascidos (infanticídio) ou o abandono dos idosos. Mas casos assim também ocorrem na sociedade moderna e por motivos menos altruístas do que nossos irmãos tradicionais. Nosso senso de individualidade é muito maior do que o de coletividade. E o que Diamond propõe em O mundo até ontem, em verdade, são as múltiplas possibilidades e experiências humanas existentes no mundo tradicional como forma alternativa de resolução dos nossos problemas.

Por exemplo, uma das marcas das sociedades atuais e da globalização é o desaparecimento das línguas nativas em razão da popularização das quatro línguas com mais falantes no mundo (inglês, espanhol, mandarim e hindi). Depois da extinção de centenas de línguas humanas nos últimos 10 mil anos, atualmente restaram 7 mil línguas no mundo, uma enorme diversidade com ampla gama de aspectos que está desaparecendo aos poucos. Em cem anos serão apenas algumas centenas.

“Nós e nossos representantes no governo, que fazemos parte dos falantes da língua majoritária e que não nos engajamos em promover ativamente as línguas das minorias, podemos, pelo menos, permanecer neutros e evitar exterminá-las…Queremos deixar para nossos filhos um mundo rico e vigoroso, em vez de drasticamente empobrecido e cronicamente desvitalizado”.

A língua é o mais complexo produto da mente humana; quando uma língua é extinta, perdem-se com ela literatura, cultura e uma grande quantidade de conhecimento. Além disso, indivíduos bilíngues têm maior capacidade cognitiva – capacidade desenvolvida por sociedades bilíngues ou multilíngues. Preservar e apoiar a existência da diversidade linguística é manter viva uma grande quantidade de conhecimento.

Mas a questão linguística é apenas uma parte do todo. E Diamond reflete em O mundo até ontem sobre muitos outros problemas humanos. Problemas que poderiam ser resolvidos se postos sob o ponto de vista de sociedades desprezadas pelo mundo moderno. Ou, pelo menos, problematizá-los com outro olhar, o olhar de sociedades que têm milhares anos de experiência. O que podemos aprender?

Perguntar e expor alternativas, antigas alternativas, que foram úteis por milênios, pode ser um caminho. Como os indivíduos das sociedades tradicionais se relacionam, qual a definição que dão para amigos, inimigos ou estranhos? Por que eles não sofrem de isolamento e solidão ou do que as sociedades modernas chamam de “sozinho na multidão”? Como vivem e resolvem seus problemas sem a presença de um Estado ou como educam suas crianças com base numa relação familiar mais ampla do que a relação paterna (pai e filho) das sociedades modernas? Como podemos evitar o excesso de sal, açúcar e gordura, e como podemos deixar de ser sedentários?

Não é verdade que não podemos viver sem o que nos é imposto pela sociedade industrializada. As sociedades tradicionais vivem e não podemos dizer que não sejam felizes.

“As sociedades modernas alcançaram a dominância mundial não por causa de uma superioridade geral, mas por razões específicas: suas vantagens tecnológicas, políticas e militares derivaram de suas antigas origens agrícolas – que, por sua vez, derivaram da disponibilidade de plantas silvestres domesticáveis e produtivas e de espécies animais domesticáveis. A despeito dessas vantagens iniciais, as sociedades industriais modernas não desenvolveram abordagens superiores para educar crianças, tratar dos idosos, solucionar conflitos, evitar doenças não transmissíveis e outros problemas sociais.”

Caberia ainda questionar por que sociedades modernas, industrializadas e com tecnologias avançadas, ainda convivem com a fome em uma parcela expressiva de sua população, algo praticamente inexistente em sociedades tradicionais?

Não é exagero afirmar que Diamond foi ainda melhor em O mundo até ontem: O que podemos aprender com as sociedades tradicionais? do que foi em Germes, Armas e Aço.

Por Rodrigo Trespach

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Confira entrevista de Jared Diamond ao jornal O Globo.

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