Compatriotas

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O historiador e diplomata dinamarquês Bo Lidegaard narra de forma inédita a trajetória das famílias judias que conseguiram fugir a perseguição nazista na Dinamarca ocupada pela Alemanha de Hitler.

Em abril de 1940 Copenhague, capital danesa, caiu em mãos alemãs. O ataque combinado por mar, ar e terra, deixou a Dinamarca, seu exército e o rei Cristiano X de mãos amarradas; literalmente. Ao pequeno país, ligado por uma estreita faixa de terra com a Alemanha de Hitler, coube não apenas depor armas como também aceitar uma política de cooperação com o invasor, mais forte e determinado. Cristiano X continuou a cavalgar pelas ruas de sua capital, mas a Dinamarca havia perdido o direito de autodeterminação.

O jornalista e diplomata dinamarquês Bo Lidegaard narra em Compatriotas: Como os judeus da Dinamarca fugiram dos nazistas e o surpreendente papel da SS (Companhia das Letras, 2015) a trajetória das famílias judias que conseguiram fugir a perseguição nazista na Dinamarca ocupada pela Alemanha de Hitler.  Ph D. em História pela Universidade de Copenhague, Lidegaard é editor-chefe do jornal Politiken e autor de vários livros sobre a história dinamarquesa. Na área política, Lidegaard trabalhou no Ministério das Relações Exteriores e também no gabinete do Primeiro Ministro da Dinamarca.

Aos olhos de Hitler e de seus camaradas, a Dinamarca era um país amistoso habitado por arianos. Mas não era essa a percepção da maioria dos daneses, que não nutriam sentimentos amistosos pelos invasores.

A “ocupação pacífica” da Dinamarca transformou-se em caso ímpar na Europa ocupada. Se por um lado, o país rejeitava firmemente o nazismo e o esforço de guerra alemão, mantendo instituições democráticas, por outro, o governo constitucional cooperava com a potência ocupante, particularmente na economia de exortações. Tão pacífica que a Werhmacht não precisou de mais do que 20 mil soldados para a ocupação país.

Mas apesar de sua aparente fragilidade, o governo danês conseguiu que a Alemanha fizesse concessões significativas, mesmo em pontos centrais para a ideologia nazista: os judeus dinamarqueses permaneceram intocáveis até 1943. E uma fonte importante dessa política estava centrada na figura do rei, um ardente defensor da democracia e dos direitos civis de seus súditos.

Enquanto os judeus poloneses eram exterminados sistematicamente ou os judeus da França  de Vichy eram deportados para campos de concentração, os judeus daneses viviam a vida cotidiana, protegidos pela lei e pela recusa a designação e a identificação de cidadãos israelitas.

Em setembro de 1943, a situação mudou. Os alemães se preparavam para um raid contra os judeus e a situação normal que viviam estava prestes a se alterar. Avisados por um membro da SS, o governo e o povo dinamarquês se uniu para salvar seus compatriotas de ascendência ou religião judaica. Contrariando ordens dos nazistas invasores, ninguém – monarca, políticos e cidadãos comuns – ajudou a prender ou deportar cidadãos judeus dinamarqueses.

Durante duas semanas, os membros da comunidade judaica foram protegidos. Nada menos que 7.742 dos mais de 8 mil refugiados foram levados secretamente para a Suécia por diversas rotas e das mais variadas maneiras.

Com base nos diários de famílias que conseguiram deixar o país, como os Hannover e os Marcus, além de diários e documentos diversos, de membros do governo e do próprio rei Cristiano X, Lidegaard reconstrói em Compatriotas  o dia a dia da comunidade judaica na Dinamarca ocupada, como eles tiveram dificuldades em perceber que seriam presos – o que vinha ocorrendo com o restante dos judeus europeus – como e custaram a deixar suas casas e vida tranquila para fugir para a Suécia; em alguns casos, tarde demais.

“É claro que não sabemos se tal fuga teria tido sucesso, mas o potencial era grande. Qual seria a razão de papai se recusar? Atualmente é difícil dizer. Pode-se presumir que ele ainda não percebera a gravidade”. Herbert Levysohn, sobre seu pai Willie Levysohn, morto em 1944 no campo de concentração de Theresienstadt.

A resistência danesa, que vinha crescendo desde 1942, aumentou com a ação contra os judeus, mas não pôs fim a cooperação, mesmo quando da renúncia do governo em agosto de 1943. A cooperação iria durar até a libertação do país em 1945, o que até hoje é motivo de estudos e analises.

“O rei Cristiano X conseguiu ser um apoiador da política de cooperação com os alemães e, ao mesmo tempo, ser um símbolo popular do sonho de liberdade e da vontade de resistir da Dinamarca”.

Por isso, Lidegaard foi capaz de narrar – e problematizar – não apenas a trajetória das famílias judias que conseguiram fugir a perseguição nazista, mas também a trajetória do povo e do governo da Dinamarca ocupada frente ao Terceiro de Reich Hitler. Povo que foi capaz de dar assistências aos judeus tanto dinamarqueses quanto apátridas em 1943, mas incapaz de fazer o mesmo com os comunistas, em 1941.

Por Rodrigo Trespach

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