Sequenciado genoma completo de um ancestral africano de 4.500 anos

Uma equipe de cientistas recuperou o genoma de um esqueleto humano de 4.500 anos de idade na Etiópia. É a primeira vez que um conjunto completo de DNA foi recuperado de um ancestral humano antigo descoberto na África. Estudo sugere miscigenação com os agricultores do Oriente Médio.

Escavação da rocha sob a qual foi encontrada o crânio do qual se retirou o material para sequenciamento do genoma. Foto Kathryn e John Arthur

O DNA do fóssil da Etiópia é notavelmente diferente da populações negras de hoje. Em artigo na revista Science, pesquisadores concluíram que as pessoas do Oriente Próximo se espalharam pela África 3 mil anos atrás. Em gerações posteriores, seu DNA acabou espalhando-se por todo o continente.

“É um marco importante para o campo [de pesquisa]”, disse Joseph Pickrell, especialista em DNA antigo do New York Genome Center, que não esteve envolvido no estudo. Durante décadas, os cientistas tinham duvidado que o DNA antigo poderia sobreviver nos trópicos. O estudo levanta esperanças de que os cientistas possam recuperar genomas humanos africanos muito mais antigos – talvez dos que datem de 1 milhão de anos ou mais.

“Eu não apostaria em um futuro muito longe”, disse Lee Berger, paleoantropólogo da Universidade de Witwatersrand, que recentemente anunciou a descoberta de uma nova espécie de ancestral humano chamada Homo naledi.

Na década de 1980, alguns cientistas acreditavam ser possível reconstruir um genoma inteiro do DNA de um fóssil. O problema é que quando um humano, ou qualquer outro animal, morre, seu DNA começa a desmoronar. Bactérias rapidamente colonizam o cadáver, sobrecarregando os ossos com seu próprio DNA.

Mas na década de 1990, os cientistas estavam começando a recuperar fragmentos de DNA e juntá-los em segmentos mais longos. Em 2010, pesquisadores montaram o genoma de um Neandertal na Croácia a partir de fósseis de 38 mil anos de idade. Em muitos outros casos, os investigadores não conseguiram encontrar DNA antigo em fósseis humanos. Suspeitava-se que o calor e a umidade dos trópicos destruíam o material genético. E muitos cientistas se reuniram em lugares como a Sibéria para procurar DNA antigo.

Esse ceticismo provou-se injustificado. Nos últimos anos, Ron Pinhasi, arqueólogo da Universidade de Dublin, e seus colegas, reuniram ossos diferentes para verificar se alguns são particularmente bons em preservar amostras de DNA. Eles descobriram que o osso interno do ouvido interno pode segurar uma abundância de material genético, mesmo quando outros ossos perderam o deles.

Como eles relataram no ano passado, os cientistas foram capazes de retirar genomas dos ossos do ouvido de centenas de europeus que viveram há milhares de anos atrás. Seu sucesso deu-lhes esperança de que eles pudessem ser capazes de resgatar DNA antigo dos esqueletos africanos.

Eles tiveram sua chance quando John W. Arthur e Kathryn Weedman Arthur, os arqueólogos da Universidade do Sul da Flórida, e seus colegas, descobriram o esqueleto de um homem na caverna Mota, nas terras altas do sul da Etiópia. Mota, como os cientistas se referem ao homem, teve um enterro cerimonial. Sua cabeça descansava em um “travesseiro” de pedra, suas mãos estavam dobradas sob o seu corpo e ele foi cercado por ferramentas de pedra.

Os pesquisadores enviaram ao Dr. Pinhasi uma amostra do osso interno do ouvido, na esperança de que ele e seus colegas pudessem resgatar alguma amostra de DNA. Eles obtiveram um sucesso espetacular e a extração de DNA foi suficiente para reconstruir todo o genoma de Mota.

Dr. Pinhasi e seus colegas também têm algumas pistas sobre como era o homem de Mota, observando alguns de seus genes. Ele tinha, provavelmente, pele morena e olhos castanhos, por exemplo. Ele também teve adaptações genéticas para viver em altitudes elevadas – as mesmas adaptações encontradas em montanheses etíopes de hoje.

Gallego-Llorente

Os cientistas estão procurando encaixar Mota na história da humanidade

A Etiópia é o lar dos fósseis mais antigos de nossa espécie (Homo sapiens), que remonta cerca de 200 mil anos. Mais tarde, os seres humanos  espalharam-se por toda a África. Em algum momento entre 100 e 50 mil anos atrás, nossa espécie começou a se espalhar para Ásia e Europa.

Nos últimos anos, os cientistas encontraram segmentos de DNA em etíopes e outros africanos que carregam uma semelhança impressionante às encontradas em pessoas da Europa e Ásia. Eles propuseram que havia ocorrido um “recuo” de genes na África há cerca de 3 mil anos atrás.

Dr. Pinhasi e seus colegas descobriram que Mota, que viveu 1.500 anos antes desse tempo, não tinha traço de DNA eurasiano em seu genoma. “É um africano sem esse refluxo”, disse ele.

Armado com este genoma, Dr. Pinhasi e seus colegas passaram a olhar de outro modo sobre a disseminação de genes da Eurásia para a África. Eles localizaram a fonte do DNA dos antigos agricultores do Oriente Próximo. Uma vez que essas pessoas se espalharam pela África, seu DNA viajou por todo o continente ao longo de gerações.

“A coisa mais surpreendente é que há muito de ‘recuo’ em todas as populações africanas modernas”, disse o Dr. Pinhasi. Ele e seus colegas estimam que 7% dos genomas do povo Yoruba, da Nigéria, são de origem euro-asiática. Nos genomas dos pigmeus Mbuti, que vivem na floresta tropical, no Congo, 6% do DNA vem de eurasianos.

Ryan L. Raaum, geneticista antropológica no Lehman College, parte da Universidade da Cidade de Nova York, chamou o novo estudo “fantástico”, mas questionou suas conclusões. Se as pessoas do Oriente Médio moveram-se para a África, argumentou ele, uma mudança drástica na arqueologia da região logicamente deveria se seguir. Mas tal mudança não ocorreu. É também possível que o DNA eurasiano mudou-se para África antes de 3 mil anos atrás, argumentou Raaum. Mota  simplesmente poderia ter vivido em uma comunidade isolada que nunca encontrou pessoas com esses genes.

A melhor maneira de testar as conclusões do Dr. Pinhasi e seus colegas, disse o Dr. Raaum, seria reunir mais DNA de fósseis africanos da mesma idade. Se os pesquisadores estiverem certos, eles também não têm DNA eurasiano. “Então, o argumento começa a parecer muito mais plausível”, afirmou o Dr. Raaum. O Dr. Pinhasi está pronto para pesquisar estes esqueletos. “Precisamos de mais genomas, [com diferenças] de espaço e de tempo”, disse ele.

Por Carl Zimmer, do The New York Times
Tradução e adaptação Rodrigo Trespach

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