Davi – A vida real de um herói bíblico

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Livro do historiador bíblico Joel Baden afirma que Davi não é o autor dos Salmos e o matador de Golias, além de ser “um homem bastante desagradável”.

As duas famosas tradições bíblicas sobre Davi não são historicamente verdadeiras. Isso mesmo, o Davi da cultura judaico-cristã não compôs os Salmos tampouco matou o gigante Golias.

Livro Davi – A vida real de um herói bíblico (Zahar, 2016), do estadunidense Joel Baden analisa a história do rei judeu que viveu na Palestina do primeiro milênio antes de Cristo sob a ótica dos próprios textos bíblicos. Na verdade a única fonte sobre a vida de Davi.

Baden é professor associado da Yale Divinity School, da Universidade de Yale, especialista no Pentateuco e na Bíblia Hebraica (o Velho Testamento), com vários livros, ensaios e artigos de referência publicados sobre o tema.

No imaginário popular, Davi é o autor dos Salmos e também o corajoso jovem que enfrenta o grande guerreiro filisteu. Na verdade, a biografia do rei israelense ocupa 42 capítulos da Bíblia (de primeiro livro de Samuel ao primeiro de Reis) enquanto a narrativa sobre o confronto com Golias ocupa apenas um capítulo da história toda.

Há muito mais a se dizer sobre Davi.

No caso da composição dos Salmos, a Bíblia não faz essa afirmação e praticamente todas as verificações históricas possíveis apontam para uma multiplicidade de autores dos quais Davi poderia ser apenas um coadjuvante.

Para o professor, os detalhes da história bíblica se submetem à ideia de Davi como figura abstrata, romantizada, idealizada, símbolo do passado glorioso do povo hebreu. Mas a figura histórica é outra.

Não têm base na realidade, é uma construção dos autores bíblicos.

Construção do qual a tradição popular se apropria de acordo com a necessidade de usar o mito como símbolo. A relação homossexual com Jônatas, o filho de Saul, é explicita nos textos, mas é ocultada pela mesma tradição. Embora Baden considere que não se deva tratar a relação homossexual de Davi conforme os padrões atuais (onde poderia ser considerado bissexual), não restam dúvidas de que o futuro rei de Israel teve envolvimento sexual com outro homem: a Bíblia afirma que Jônatas “deliciava-se com Davi” (1 Samuel 19:1) – o mesmo termo é usado para descrever, por exemplo, o desejo de Siquém por Diná, filha de Jacó (traduções modernas usam a expressão “muito afeiçoado a Davi”). 

Outro incômodo para os defensores do Davi herói é sua atuação como guarda-costas do rei filisteu Aquis, depois de sua fuga para o deserto. O conhecimento da região por Davi ajudou os filisteus a derrotarem o rei hebreu Saul, o que mais tarde permitiu que o próprio Davi assumisse o trono (primeiro de Judá, depois do reino de pela primeira vez Israel unificado).

Provavelmente é de “habiru”, do semita bandido ou assassino, termo pelo qual o exército de Davi no deserto é conhecido, que surgiu a palavra “hebreu”, que designa o povo israelita. Segundo Baden, os hebreus podem ter sido vistos não como bandidos, mas como mercenários (marginalizados, já que nessa época não havia uma sociedade centralizada). Davi era um mercenário que atuara em parceria com os filisteus para atacar Judá e tramou para derrubar Saul. Para Baden, ele era um fora da lei “sem escrúpulos, disposto a fazer o que for preciso para sobreviver e , gradualmente, ganhar poder”.

Baden também acredita que Salomão não seja filho de Davi. Surpreendentemente, tudo isso está implícito (e por vezes até de forma explicita) na Bíblia. Por isso, Baden “tentou descascar as camadas de interpretação literária e recuperar o Davi humano”. O que obviamente não está de acordo como a construção feita em cima do herói bíblico nem com o que se espera de um herói “guiado” por Deus.

Talvez a mais saudável – e  mais verdadeira – maneira de lidar com a importância do Davi histórico é aceitar, possivelmente até com prazer, que ele era um homem bastante desagradável.

Com uma linguagem clara e quase literária, sem historicismo, Davi – A vida real de um herói bíblico segue a mesma linha de obras de sucesso internacional como Zelota – A vida e a época de Jesus de Nazaré, do historiador iraniano Reza Aslan (Zahar, 2013).

Por Rodrigo Trespach

Saiba mais sobre a obra, acesse o site da Zahar.

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