Os rebeldes colonos alemães católicos

Debret Vista dos fundos da Capela, a partir do topo do Morro do Farol, início do século XIX.

Depois de chegarem a Torres, no Litoral Norte gaúcho, em 17 de novembro de 1826, os colonos alemães tiveram que esperar pela distribuição dos lotes. Como em São Leopoldo dois anos antes, os colonos receberiam lotes de terras com mais ou menos 77 hectares, ferramentas, animais domésticos, sementes e subsídios.

Após vários contratempos, os protestantes entraram no vale do Rio Três Forquilhas somente em julho de 1827. Os católicos tiveram que esperar um pouco mais, entre fevereiro e junho de 1828. E só depois de muitas reivindicações, protestos e prisões. O que não era incomum. Em São Leopoldo, vários protestos e abaixo-assinados foram realizados (ver mais aqui).

Em Torres, três colonos católicos se destacaram em reivindicações. Eram eles Mathias Deutsch, Johannes Magnus e Anton Kreuzburg. Curiosamente, Deutsch e Kreuzburg não assinaram a carta-queixa contra o capitão do “Carolina”, costeiro que os trouxe do Rio de Janeiro até Porto Alegre e onde passaram enormes dificuldades (Deutsch perdeu uma filha na viagem e Kreuzburg sua primogênita pouco após a chegada a São Leopoldo).

Em julho de 1827, com a demora nas demarcações das terras e por julgar que as indicadas pelo governo estavam em próximas demais do rio Mampituba, serem alagadiças e estarem a mais de 20 quilômetros de Torres, 28 colonos alemães assinaram um pedido de transferência para Tramandaí. A velha disputa católicos versus protestantes também se instaurou. Os católicos acusaram o inspetor de ter “dado as melhores terras aos protestantes” e não aceitaram as que lhe era destinada:

Nós temos mandado 6 colonos para ver as terras, mas nos dizem que as mais perto estão cheias de água e as melhores partes não tem caminho de carreta para levarmos nossas famílias. Para isso, rogamos a V. Sª, suplique S. Exª para que nos mande dar terras em outro lugar no Tramandaí.

Os 28 colonos católicos que requereram terras em Tramandaí: Johann Jacobs, Philipp Weingärtner, [Gallus Dietrich], Johann Bock, Johann Kricher, Heinrich Joseph Paulus, Thomaz Schaembs, Phillip Schaeffer, Joseph Weber, Johann May, Adam Luft, Tomaz Greis, Adam Lefhaar, Georg Schlitzer, Anton Kreuzburg, Joseph Carl, Joseph Raupp, Johann Magnus, Johann Link, [Johannes Model?], Franz Martin, Louis Marie Boudier, Valentin Diettermann, [“Grittel”, seria Joseph Krüdli?], Johannes Östereich, Johannes Meng, [Mathias] Deutsch e Mathias Schütz.

O governo ordenou o estudo de outra área e o agrimensor Friedrich Carl Voss indicou terras que ficavam localizadas entre as Lagoas do Jacaré e do Morro do Forno. Com ordens do presidente da província, o inspetor Francisco de Paula Soares deu início a distribuição dos lotes. Mas, dos 48, apenas 15 foram ocupados pelas famílias alemãs.

Alegando insegurança, os demais se negaram a ocupar o lugar. Novos protestos. Dessa vez, auxiliados por um colono “da nação francesa, empregado na polícia da colônia”, Louis Boudier, e Johannes Magnus, o principal articulador entre os alemães. As coisas esquentaram, por pouco o colono Johann Kratz não atirou no inspetor Paula Soares.  Boudier foi preso e enviado a Porto Alegre em 9 de março de 1828.  Escrevendo ao presidente, Paula Soares relatou que alguns

fizeram casa e mesmo plantaram feijão, e quando já 35 estavam com suas colônias, um tal Magnus os desorientou ao ponto que nos V. Exª vê, de maneira que só 15 querem as terras, porém outros ameaçam-nos de queimar-lhes as casas, e espancá-los como já me fizeram ver.

Em junho do mesmo ano, o governo cortou os subsídios mensais dos colonos. Revoltados, um grupo se dirigiu a capital e lá Mathias Deutsch e Anton Kreuzburg foram presos no navio-prisão “Presiganga”.

Depois do ocorrido, os lotes de terra foram distribuídos e a calma estabeleceu-se. Pelos menos por alguns anos. Em 1855, “Antonio Krasburg” (Anton Kreuzburg), “Mathias Dais” (Mathias Deutsch), “João Magno” e “Fellipe Chefre” (Philipp Schaeffer) denunciaram que suas terras foram invadidas por Manoel Mendes de Manoel Luis. O processo constatou que as terras haviam sido herdadas e a reclamação não procedia. O historiador Marcos Witt notou a força política alemã na região, afirmando que eles “sobressaiam-se, atuando firmemente a vila de Torres”.

Os sem-terra do século XIX: os líderes rebeldes

deutsch_carolina-1826

Mathias Deutsch, mais tarde com o sobrenome truncado “Daitx”, nasceu em 1776, em Waldhölzbach, Losheim am See, Merzig-Wadern, Sarre, na Alemanha. Era casado com Magdalena Pheis (“Feix”), com quem teve quatro filhos. Ele retirou o passaporte de viagem em Merzig, no Sarre, em 5 de julho de 1825. No documento expedido por autoridades prussianas de Trier, Mathias declarou ser católico, ter 49 anos, ser casado e pais de 3 filhos. Também afirmou ser analfabeto. Como características físicas media 5 pés e 4 polegadas (1,76m), tinha cabelos e sobrancelhas castanhos, barba loira, olhos azuis, nariz e queixo pontudos, testa baixa, boca pequena, rosto enrugado, aspecto saudável. Em 11 de agosto de 1825 chegou a Hamburgo. Cruzando o Atlântico, desembarcou no Rio de Janeiro no final de 1825. Do Rio a Porto Alegre, a família foi passageira do bergantim “Carolina”, onde morreu uma das filhas de Mathias, sobrevivendo a mulher, a filha Catharina e o filho Mathias.

Conforme registro de terras pertencentes aos alemães da Freguesia de S. Domingos das Torres, transcrição de Jacy Waldyr Fischer “Matias Teixe” declara, em 5 de janeiro de 1855, que “possui cento e sessenta braças de terras de frente, com seiscentas braças de fundos, que fazem frente à sanga Olhos d’Água e fundos ao travessão judicial de Manuel José Pereira Barbosa. Mais uma colônia, de número quarenta, no lugar denominado Olhos d’Água”.

kreuzburg_carolina-1826

Anton Kreuzburg, mais tarde “Krás Borges”, nasceu em 19 de novembro de 1797, em Lörzweiler, Mainz-Bingen, Rheinland-Pfalz.  Casou em 29 de maio de 1820 com Agnes Faust, com quem teve sete filhos. Hunsche menciona o “Friedrich Heinrich” como o navio dos Kreuzburg, mas este partiu de Amsterdã, na Holanda, e o passaporte de viagem da família, expedido em Darmstadt em 27 de junho de 1825 e assinado em Frankfurt em 26 de agosto de 1825, indica Hamburgo, na Alemanha, como porto de embarque. Segundo o mesmo passaporte, Anton Kreuzburg tinha “5 pés de altura e 9 polegadas” (cerca de 1,70 m). Ainda com base nessa documentação, a família era composta por Anton, a esposa e três filhos, sem nomes (Agnes, Otilia e Georg).

A família desembarcou no Rio de Janeiro no final de 1825 e foi enviada para Porto Alegre, passageira da bergantim Carolina, e depois a São Leopoldo, aonde chegou em 15 de janeiro de 1826. A filha mais velha de Kreuzburg (Agnes) morreu dias após chegar a São Leopoldo.

“Antônio Krás Borges” declarou em 11 de junho de 1856, em livro de registros de terras da Freguesia de S. Domingos das Torres, “que possui uma colônia de terras com setenta e oito braças que fazem frente ao Arroio Olho d’Água, e fundos com terras de Simão Pereira Barbosa”. O filho, “Jorge Kras Borges”, declarou em 20 de junho de 1856, “que possui quarenta braças de terras que fazem frente, ao leste, com o Espigão do Jacaré e fundos a lagoa do Morro do Forno”.

Carolina detalhe assinaturas

Johannes Magnus, nasceu em 19 de fevereiro de 1782, em Appenheim, Mainz-Bingen, no Rheinland-Pfalz. Era casado com Anna Maria Kaiser (*6 fev 1772 em Dromersheim) e pai de três filhos. O casamento ocorreu em 4 de janeiro de 1807, na Igreja St. Peter und Paul, em Dromersheim, Bingen am Rheim, Mainz-Bingen.

A família Magnus fez a viagem transatlântica, provavelmente, no transatlântico “Caroline” (terceira viagem) que deixou Hamburgo em 16 de novembro de 1825 e chegou ao Rio de Janeiro em 26 de fevereiro de 1826. Chegados a Porto Alegre na sumaca “Argelino”, dirigiram-se a São Leopoldo em 17 de abril de 1826.

Conforme o registro de terras pertencentes a alemães da Freguesia de S. Domingos das Torres, “Heinrich Magnus”, provavelmente o filho de Joahnnes Magnus de nome Friedrich Joseph Heinrich Magnus (12 maio 1810 – 15 nov.1871), declarou, em 24 de junho de 1856, possuir “uma colônia de terras, de número vinte e um, com cem braças de frente e mil e seiscentas de fundos e que faz frente ao banhado da lagoa do Jacaré, e fundos na lagoa do Morro do Forno. No lugar denominado Casta do Rio Mampituba, cento e quinze braças de terras que fazem frente ao mesmo rio e fundos com terras do falecido Andrades. No lugar denominado Espigão do Olho d’Água, trinta e uma braças de terras que fazem frente aos banhados devolutos, e fundos com outros banhados devolutos”.

Por Rodrigo Trespach – www.rodrigotrespach.com

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Referências bibliográficas

ELY, Nilza Huyer (org.). Torres tem história – Ruy Rubem Ruschel.  Porto Alegre: EST, 2004.

FISCHER, Jacy Waldyr. Registro de terras de alemães na Freguesia de São Domingos das Torres (1854-1865). In: Três Cachoeiras – marcas do tempo. ELY, Nilza Huyer (org.). Porto Alegre: Est Edições, 2004.

HEINBERG, Léia; BROCHADO, Suzana Schunck.  Vale do Três Forquilhas – Documentos Interessantes. In: BARROSO, Véra Lucia Maciel; ELY, Nilza Huyer (orgs.). Imigração Alemã 170 anos – Vale do Três Forquilhas. Porto Alegre: Est, 1996.

HUNSCHE, Carlos Henrique. O ano de 1826 da Imigração e Colonização Alemã no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora Metrópole, 1977.

ROSA, Gilson Justino. Imigrantes alemães 1824-1853: (Códice C-333). Porto Alegre: EST, 2005.

SELAU, Aloysio João. História da família Kreuzburg. In: Três Cachoeiras – marcas do tempo. ELY, Nilza Huyer (org.). Porto Alegre: Est Edições, 2004.

WITT, Marcos Antônio. Do confessionário à urna: fragmentos de política e religião em São Pedro de Alcântara. In: Dom Pedro de Alcântara – Marcas do tempo. ELY, Nilza Huyer (org.). Porto Alegre: Est Edições, 2010.

Pesquisa genealógica
Rodrigo Trespach, Gilson J. da Rosa, Luiz Fernando de Carvalho e Ernani Raupp Manganelli.

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