Movimento Rosa Branca, que fez história enfrentando Hitler em plena Alemanha nazista, completa 75 anos

Estudantes que se mobilizaram contra o Führer a partir de junho de 1942 foram executados em 1943.

Por Léo Gerchmann

Desde a II Guerra Mundial, o mundo saiu do eixo, tamanha a força do sismo que se abateu em especial sobre os 6 milhões de judeus assassinados no Holocausto e suas famílias. Vieram, na esteira do nazismo, do genocídio e também da bomba atômica, movimentos pacifistas, novas fronteiras, novos Estados, diferentes dialéticas, palavras específicas (como “refugiados”, em vez do genérico “imigrante”), descobertas científicas, campanhas pelo respeito às diferenças e até a revolução cultural de 1968. Era a resistência do mundo à tirania.

E houve também uma inquietação que seguiu esse rescaldo do horror e que se deu na Alemanha: a necessidade premente de desconstruir aquilo que não deixa de ser um preconceito às avessas, o de que todo alemão nascido naquela triste esquina do tempo era necessariamente nazista. O esforço de superar essa imagem se mostra até mesmo na estreita proximidade diplomática cimentada entre o atual Estado germânico e Israel, definida pelo editor-chefe da Deutsche Welle (DW), Alexander Kudascheff, como “milagre político”.

A respeito dessa reconstrução moral, destaca-se um episódio edificante ocorrido na Alemanha “no olho do furacão”, ou seja, antes mesmo do fim da II Guerra – em meio à banalidade do mal, na definição da filósofa judia alemã Hannah Arendt. Foi o movimento Rosa Branca (Weisse Rose), iniciado em 27 de junho de 1942 e que, portanto, completa 75 anos na terça-feira. O Rosa Branca se utilizava das caixas de correio de grandes cidades do sul da Alemanha para distribuir panfletos contra o nazismo. Sua atuação ocorreu com maior intensidade em Munique e Hamburgo. O núcleo era formado por universitários entre 21 e 25 anos, destacando-se os irmãos Hans e Sophie Scholl, Alexander Schmorell, Willi Graf e Christoph Probst.

O conteúdo dos panfletos condenava a passividade da sociedade alemã, majoritária, mas não total. Os quatro primeiros textos, inspirados em trechos bíblicos, foram elaborados e distribuídos entre 27 de junho e 12 de julho de 1942. Depois, vieram outros, mais políticos, com apelos para que Adolf Hitler fosse combatido e já projetando uma Alemanha que viria desse combate e da eventual vitória. Além dos panfletos, Alexander Schmorell, Hans Scholl e Willi Graf pichavam muros e paredes com as frases “Abaixo Hitler” e “Liberdade”.

Em 18 de fevereiro de 1943, os irmãos Hans e Sophie foram flagrados distribuindo seu sexto e último panfleto na Universidade de Munique. O zelador da universidade os viu e chamou a Gestapo, a temida polícia secreta. Hans ainda tinha em seu bolso o rascunho do que escrevera. Tentou engoli-lo, mas foi pego. Presos, o destino lhes reservou, junto com Christoph Probst, a condenação sumária e a execução na guilhotina, no dia 22 daquele mês. Hans, que ainda sofria a perseguição por ser homossexual, gritou “longa vida à liberdade” antes de morrer. O mesmo ocorreu com os demais integrantes do grupo, entre abril e outubro de 1943.

Um dos objetivos do movimento chegou a ser cumprido breve e postumamente: o de fomentar células de resistência ao despotismo. Até o final de 1943, grupos anônimos continuaram copiando e distribuindo os seis panfletos. Oito universitários foram executados por dar seguimento à resistência do Rosa Branca. Aviões britânicos jogaram os panfletos sobre o território alemão durante a guerra, em forte simbolismo de usar a palavra impressa em vez das bombas. O escritor alemão Thomas Mann, que teve a lucidez de emigrar da Alemanha para a Suíça em 1933 (assim que Hitler chegou ao poder), fez um reconhecimento público. Pôs a própria voz a serviço do conteúdo escrito pelos jovens em 27 de junho de 1943, em pronunciamento na BBC.

– Os anos repletos do mais brutal terror, de martírios e execuções, não foram suficientes para quebrar sua resistência – disse o cultuado autor de A Montanha Mágica.

O historiador Rodrigo Trespach, especialista em imigração alemã, diz que “uma das grandes injustiças cometidas para com os alemães é dizer que não houve quem fosse contrário ao nazismo dentro da Alemanha”.

– Em muitos casos, os alemães foram coniventes e agentes ativos do Holocausto. Mas também foram instrumento do horror nazista. Nunca houve uma Alemanha 100% nazista – diz o estudioso.

Trespach enumera “vozes” que se levantaram contra a tirania. Vão de líderes religiosos como o pastor Dietrich Bonhoeffer até outros da Igreja Católica, como Clemens von Galen e Michael von Faulhaber, passando pelas “inúmeras famílias alemãs anônimas que ajudaram a esconder ou prestaram algum tipo de apoio aos perseguidos”.

– O Rosa Branca partiu da juventude, que na época era doutrinada para odiar os judeus – afirma o historiador. – Mesmo dentro de instituições nazistas, os irmãos Scholl e integrantes do grupo foram capazes de perceber o que havia de errado e muito corajosos ao externar de forma pública o que acontecia. Uma frase de Sophia é esclarecedora: “O que escrevemos e falamos é o que muitas pessoas pensam, mas não têm coragem de dizer”.

Por Léo Gerchmann, Zero Hora Especial DOC, 24/06/2017

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