Em 22 de agosto de 1942, Getúlio Vargas dava uma resposta à pressão da população e dos próprios americanos: o país entrava em “estado de beligerância”. O envio de tropas à Europa, porém, ainda demoraria dois anos.
Por Jean-Philip Struck, Deutsche Welle
Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1942. Getúlio Vargas se reúne com seus ministros no Palácio Guanabara. Depois de uma hora e meia de reunião, o governo anuncia que o Brasil estava em “estado de beligerância” com a Alemanha Nazista e a Itália Fascista. Na prática, era uma declaração de guerra. E foi essa última palavra que foi usada por alguns jornais brasileiros em suas edições extras publicadas no mesmo dia. “Guerra!”, anunciou O Globo em letras garrafais.
“Foi uma resposta à pressão que o governo vinha sofrendo da população, de ministros simpáticos à causa aliada e dos próprios americanos”, afirma o historiador Rodrigo Trespach, autor do livro Histórias não (ou mal) contadas: Segunda Guerra.
Nos dias que precederam a decisão de Getúlio, o país ainda estava sob o choque causado por uma série de ataques a navios brasileiros em sua costa. Seis foram afundados em um espaço de apenas cinco dias por um único submarino alemão, o U-507. O total de mortes passou de 600. “Foi nossa Pearl Harbor”, afirma o jornalista, autor do livro U-507: o submarino que afundou o Brasil na Segunda Guerra Mundial, se referindo ao ataque japonês a uma base naval que marcou a entrada dos EUA no conflito.
Nos dias seguintes aos ataques contra os navios, os jornais brasileiros foram tomados por notícias sobre os naufrágios, ilustradas por fotos dos mortos e feridos e relatos de que algumas vítimas chegaram a ser atacadas por tubarões. Apenas no afundamento do navio Baependi, na costa do Sergipe, morreram 270 pessoas. “O impacto junto ao público foi imenso”, afirma Trespach.
Os ataques foram apenas o empurrão final que levou o Brasil a passar totalmente para a órbita dos Aliados, em especial os americanos. O Brasil já havia se alinhado com os EUA em janeiro de 1942, após a Conferência do Rio de Janeiro, quando decidiu romper relações com o Eixo – formado por Itália, Alemanha e Japão –, que já estava em guerra com os americanos.
Desde então, o governo Getúlio Vargas havia concedido a permissão para que os Aliados usassem portos e bases aéreas no Brasil. Apesar de o governo ter na prática declarado guerra ao Eixo em 22 de agosto, o decreto que oficializou o Estado de Guerra só foi publicado no dia 31 de agosto.
Antes disso, a Alemanha havia sido um parceiro comercial importante do Brasil. “Vários militares e membros do governo também eram simpáticos à Alemanha e preciso salientar que o próprio Vargas era um ditador com elementos fascistas”, diz Trespach. “Mas, no final, Vargas optou por seguir as orientações do seu ministro das Relações Exteriores, Osvaldo Aranha, que era pró-americano.”
Indiferença alemã
A declaração do estado de beligerância de 22 de agosto satisfez o presidente americano, Franklin Delano Roosevelt, que imediatamente enviou um telegrama para Getúlio. “Em nome do governo e do povo dos Estados Unidos, manifesto a V. exa. a profunda emoção com que esta ação foi recebida neste país. (…) O Brasil acrescenta poder e força material aos exércitos da liberdade”.
Já na Alemanha, a reação inicial foi praticamente indiferente, considerando que o Brasil já estava alinhado com os EUA antes do episódio. Um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores nazista afirmou a correspondentes internacionais não ter recebido nenhuma comunicação oficial. Já uma rádio alemã informou que se tal notícia fosse confirmada, “não existiria nenhum motivo para surpresa, dada a tendência ultimamente observada do governo do Brasil”.
O papel inicial do Brasil
Ainda demoraria dois anos para que o Brasil enviasse tropas para lutar contra os alemães na Europa. Até lá, o papel do país no esforço aliado seria de tirar as últimas restrições para a operação de uma base aérea americana em Natal e arregimentar voluntários para colher borracha na Amazônia, os “soldados da borracha”. Cinquenta mil deles – em sua maioria nordestinos – passaram a ser arregimentados após agosto de 1942 para colher borracha em seringais na Amazônia.
“Quando os japoneses ocuparam o Sudeste Asiático, em dezembro de 1941, os Estados Unidos perderam sua principal fonte de borracha. Nada menos que 97% de toda a borracha natural do globo caíram em mãos nipônicas. Sem essa matéria-prima, a máquina de guerra Aliada seria paralisada”, afirma Trespach.
Os americanos financiaram o transporte dos voluntários para a Amazônia e concederam outros cinco milhões de dólares para construir a infraestrutura necessária para acomodá-los. “O papel desses soldados da borracha foi estrategicamente mais importante para o esforço de guerra do que aquele desempenhado pelos pracinhas na Itália”, conta Trespach. Ao todo, 26 mil desses voluntários acabaram morrendo na selva, principalmente por doenças.
Em um acordo firmado dois meses depois da declaração de beligerância, os EUA forneceram ao Brasil 200 milhões de dólares em armas e munição de guerra destinadas à Marinha e ao Exército, além de linhas de crédito para ajudar na industrialização do país.
A frente interna
Mesmo com o Brasil longe dos combates na Europa, a máquina de propaganda do governo tratou de alimentar o temor de possíveis ataques alemães e italianos em solo brasileiro. Foi um imposto um blecaute nas cidades brasileiras a partir de 21h. Propagandas apontavam que luzes poderiam servir de alvo para aviões da Luftwaffe (a Força Aérea alemã).
“Mas nunca houve um plano alemão para invadir o Brasil. O regime nazista não conseguiu nem mesmo invadir a Inglaterra. Afirmações nesse sentido são apenas teorias conspiratórias”, garante Trespach.
Segundo o historiador, o único plano ambicioso aventado pelos alemães foi o de colocar em prática a tática de alcateias por submarinos na costa brasileira, antes mesmo da declaração de guerra pelo Brasil. Nessa modalidade de ataque, vários submarinos agem em conjunto para atacar comboios ou navios ancorados em portos.
Em junho de 1942, um plano chegou a ser autorizado pelo comando nazista, mas o então embaixador alemão no Brasil, Karl Ritter, se posicionou contra, achando que um ataque desses iria complicar ainda mais as relações com o Brasil e potencialmente com vizinhos simpáticos à Alemanha, como Argentina e Chile. Documentos da Marinha alemã comprovam que a ação foi cancelada “por motivos políticos”.
Ainda apenas limitado a um papel coadjuvante no combate a submarinos alemães e italianos em sua costa, o Estado brasileiro se voltou então contra os imigrantes de países do Eixo. A campanha de nacionalização colocada em prática com o Estado Novo em 1937, que já havia praticamente abolido o sistema de escolas e publicações locais em língua estrangeira no país antes mesmo da guerra, foi redobrada. Falar alemão e italiano já havia sido proibido em vários estados em janeiro de 1942, quando o Brasil rompeu relações com os países do Eixo, mas a restrição passou a ser reforçada depois da declaração de guerra.
Logo depois dos afundamentos provocados pelo U-507, também ocorreram vários episódios de violência contra imigrantes alemães e italianos. Em Petrópolis, no estado do Rio, lojas e restaurantes com nomes alemães tiveram suas placas trocadas por outras, com os nomes dos navios afundados. No Rio Grande do Sul, estabelecimentos de alemães e italianos foram depredados por multidões que gritaram “Viva Getúlio Vargas!”.
Três anos após esses episódios, a guerra chegou ao fim na Europa e na Ásia. Ao final, cerca de dois mil brasileiros haviam morrido no conflito, entre eles 443 pracinhas.
Já o submarino U-507, o grande responsável pela entrada do Brasil na guerra, foi afundado no litoral do Piauí em janeiro de 1943 por um avião americano. Nenhum tripulante sobreviveu.
Por Jean-Philip Struck, Deutsche Welle