A Imperatriz de Ferro

A imperatriz de ferro

Em 1852 uma garota de apenas 16 anos foi levada através dos portões da Cidade Proibida para se tornar concubina do imperador chinês Xianfeng. Em uma década ela deixaria a condição de concubina para se tornar a imperatriz do maior império do mundo.

Em 26 de julho 1852 uma garota de apenas 16 anos foi levada através dos portões do maior complexo de palácios imperiais do mundo, com 720 mil metros quadrados, centro do império da dinastia Qing, para se tornar uma das concubinas do imperador chinês Xianfeng (ou Hsien-Feng, conforme a transliteração Wade-Giles para a escrita chinesa). Instalada no harém na Cidade Proibida, ela recebeu o nome honorífico de Cixi (ou Tzu-Hsi), “gentil e alegre”. Em uma década ela deixaria a condição de concubina para se tornar a imperatriz do maior império do mundo.

A autora chinesa Jung Chang narra em A Imperatriz de Ferro – A Concubina que criou a China Moderna (Companhia das Letras, 2014) a história de Cixi (1835-1908), uma mulher inteligente e astuta que esteve a frente da política chinesa por mais de cinco décadas.

Quando Cixi chegou a Cidade Proibida sua posição hierárquica dentro do harém era dos mais baixos. Dos oito degraus na hierarquia das consortes imperiais, Cixi estava no sexto. O primeiro era ocupado por Zhen, uma concubina que havia chegado junto com Cixi a Beijing (Pequim) – ocupando o quarto degrau -, mas que rapidamente ascendera ao primeiro, o de imperatriz.

Xianfeng, apelidado de “Dragão Coxo”, foi um dos mais ativos imperadores da dinastia Qing; pelo menos em se tratando de sexo. Além das 19 consortes, uma infinidade de mulheres, que iam desde prostitutas hans à mulheres da corte, frequentavam a cama do imperador. Mas foi Cixi quem primeiro lhe deu um herdeiro varão. O que alterou seu destino e o da China.

Após a morte de Xianfeng, em 1861, o filho de cinco anos do casal, Tongzhi (ou Tung-Chih), assumiu o trono. Junto com Zhen, Cixi organizou um plano engenhoso para governar sem depor o imperador ou agir contra os regentes. Como a imperatriz não tinha aptidão política, por trás da regência Cixi passou a ser a verdadeira líder da China.

Jung Chang, que é autora do best-seller Cisnes Selvagens e coautora de Mao – A História Desconhecida, biografia do ditador comunista chinês Mao Tsé-Tung, ambos publicados pela Companhia das Letras e igualmente proibidos na China, revela uma nova face da imperatriz viúva Cixi e como ela governou o país não tendo, de fato, destronado seus dois filhos (um natural e outro adotivo).

Com doutorado em linguística pela Universidade de York, na Inglaterra, Chang baseia o livro em um grande número de documentos chineses, como decretos imperiais, documentos da corte, comunicações oficiais, cartas pessoais, diários e relatos de testemunhas oculares, em sua maioria inéditos para o público ocidental e mesmo na China, onde eles só foram liberados depois da morte de Mao, em 1976. Guardados, entre outros, no Primeiros Arquivos Históricos da China, esse material reunido chega a 12 milhões de documentos.

Através deles, Chang descortina a vida na corte chinesa e apresenta a imperatriz viúva Cixi como a responsável pela transição pelo qual a China passou nas décadas finais do século 19, de um império medieval atrasado para a modernidade. Estando a frente de seu tempo, ela enfrentou o preconceito histórico contra a mulher na China, além da xenofobia e do isolamento do país, implantou elementos ocidentais desconhecidos no império, como a indústria, as ferrovias e a eletricidade.

Como era mulher, apesar de dirigir o país em duas oportunidades por um longo período como regente, não era permitido a ela se apresentar no trono; em audiências, ela permanecia escondida sob um véu amarelo dourado, para chineses e, principalmente, para estrangeiros. A primeira vez que as mulheres de diplomatas ocidentais viram os “Senhores da China” foi em dezembro de 1898, quase quarenta anos depois que Cixi assumira a primeira vez os negócios do governo. Nunca um governante chinês havia visto uma mulher estrangeira antes. A própria Cixi havia recebido um estrangeiro pela primeira vez no começo de 1898, o príncipe Heinrich, da Alemanha.

E foi uma agradável surpresa para as ocidentais, já que Cixi era mal vista pelas legações estrangeiras, que a viam como uma opositora da modernidade. Ainda assim, foi ela a responsável pelo fim da “morte por mil cortes” e a proibição do uso dos “pés de lótus” pelas mulheres hans, o maior grupo étnico do país. 

Cixi foi acusada e apresentada por muito tempo como um antirreformista e cruel perseguidora de seus adversários – o que não chega a ser uma inverdade: quando da fuga da corte da Cidade Proibida, durante a Guerra dos Boxers, Cixi ordenou que o eunuco Cui jogasse a concubina Pérola, sua desafeta e preferida do imperador Guangxu, no poço. Apesar de todas as reformas, a história, até bem pouco tempo, reservava ao imperador Guangxu (Kuang-Hsü), o filho adotivo de Cixi e que após a derrota na guerra sino-japonesa foi feito “prisioneiro” da imperatriz-viúva, o autor das reformas pró-ocidente.

Ainda que reformas viessem sendo feitas, a China era uma país onde a corrupção era regra geral, quase uma tradição. A demora na modernização do país, principalmente no campo militar, coincidiu com a Era Meiji, quando o Japão passou ao expansionismo territorial e militar, caindo como um falcão sobre a China enfraquecida pela exploração comercial e econômica das potências europeias, como a Grã-Bretanha e a Alemanha.

A derrota para o Japão em 1895 e os subsequentes conflitos externos e internos, humilharam e arruinaram o país economicamente. Mas as reformas continuaram, em setembro de 1906 a imperatriz-viúva anunciou oficialmente a intenção de tornar a China uma monarquia constitucional. A morte de Cixi em 1908 terminou com o período de reformas apressou a derrocada da monarquia. Após quase três séculos, a dinastia Qing finalmente caiu em 1912, quando o imperador Xuantong (Hsuan-Tung), de 6 anos, conhecido como Puyi, foi deposto e a China se tornou uma república.

Por Rodrigo Trespach

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