Exclusivo: entrevistamos Sue Woolmans

O ano de 2014 encerrou com muitas novidades. No último semestre, acertamos novas parcerias com editoras e por isso aumentamos o número de livros que constam em nossas Dicas de Leitura – é bom que se diga, que sempre levamos em consideração a qualidade das editoras e das obras.

Pensando em melhorar, em 2015 também estaremos postando aqui, entrevistas com historiadores, autores de livros e pessoas que  têm contribuído para a divulgação da história, da literatura e da genealogia.

Para darmos início a essa nova aventura, vamos entrevistar a escritora inglesa Sue Woolmans, coautora do livro O Assassinato do Arquiduque – lançado no Brasil pela Cultrix, em 2014. Espero que gostem da novidade!

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O Assassinato do Arquiduque foi um dos livros que marcaram o centenário do início da Primeira Guerra Mundial (1914-2014). Casada e trabalhando em Londres como engenheira de som na BBC, Sue Woolmans tem como hobby pesquisar a história da realeza europeia, especialmente o período entre a Lei da Reforma de 1832 e o ano de 1936 – ano em que a Grã-Bretanha teve uma sucessão de três reis (Jorge V, Eduardo VIII e Jorge VI). Se tornou uma especialista na área, sendo consultada por diversos historiadores.

O primeiro livro de Woolmans, 25 Chapters of my Life, sem edição em português, foi dedicado à biografia da Grã-duquesa Olga Alexandrovna da Rússia (1882-1960), irmã mais nova do último czar russo.

Rodrigo Trespach: Olá Sue! Muito obrigado por conceder esta entrevista ao meu site. O Assassinato do Arquiduque é um dos diversos livros que constam em nossa lista de livros sobre a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Em quantos países e em quantas línguas o livro já foi publicado?

Sue Woolmans: O livro saiu primeiro nos EUA e no Reino Unido, em setembro de 2013. Também foi publicado na Polônia, em Portugal e no Brasil. Deve sair em breve na Rússia, Eslovênia, Romênia e na Turquia. Obviamente, o lançamento foi programado para preceder o 100º aniversário do assassinato de Francisco Fernando em 28 de junho de 2014, dando às pessoas tempo para estudar a Primeira Guerra. Vários outros livros saíram ao mesmo tempo, sobre os eventos que levaram à guerra. Eu realizei uma turnê pelo Reino Unido em 2014, para falar com as pessoas sobre Francisco Fernando. Participei do principal festival literário do Reino Unido, o Festival de Edimburgo. Eu adorei conversar sobre Francisco Fernando. Ele é um homem esquecido e eu realmente quero que as pessoas se lembrem dele.

Rodrigo Trespach: Como surgiu o interesse pela história de Ferdinando e Sophia?

Sue Woolmans: Muitos anos atrás estive em uma excursão pelos palácios imperiais da Áustria. Fomos levados brevemente à uma das casas em que Francisco Fernando viveu, um lugar chamado Artstetten. É um museu dedicado a ele. Foi lá que eu comecei a aprender sobre ele, sua família, mas, acima de tudo, sobre a sua esposa Sophie. A lembrança da visita ainda está bem viva na minha memória, no quarto dedicado a seus filhos, que sofreram tanto na Europa do século passado, com as guerras e o comunismo. E fui reduzida às lágrimas com sua situação. Pensei, então, que eu tinha que saber mais sobre Francisco Fernando e sua família. E que tinha que trazer a sua história para a atenção do público leitor.

Rodrigo Trespach:  Depois de 15 anos de pesquisa, você e Greg King levaram dois anos escrevendo o livro. Estou certo? Mas seu colega mora na América, como foi escrever um livro com King, separado por um oceano de distância?

Sue Woolmans: Na verdade, um enorme oceano me separa de Greg, mas temos sido amigos há anos. Eu escrevi para ele algumas perguntas, depois de ler o primeiro de seus livros sobre a imperatriz Alexandra da Rússia. Nós mantivemos contato e nos encontramos quando ele veio a Londres. Eu tenho realizado trabalho de pesquisa para ele, para alguns dos outros livros que ele escreveu. Na verdade, eu fiz pesquisas para vários outros autores de história da realeza, assim como passei muitos anos pesquisando sobre Francisco Fernando.

Como ele sabia do meu interesse, foi ideia de Greg trabalharmos juntos no livro. Ele ressaltou que o momento era propício, com 2014 se aproximando! Nós trabalhamos muito bem juntos, discordando apenas algumas vezes. É muito fácil, na era da internet, se comunicar com regularidade, de forma rápida. Trocamos um monte de e-mails! Escrever um livro envolve muito tempo gasto em um computador, leitura de rascunhos e comentários uma para o outro através do internet.

Rodrigo Trespach: Apesar de o assassinato ter sido o estopim da guerra, o império Austro-húngaro (e a Europa) era um barril de pólvora, o que contribui muito para que não se chegasse a uma solução pacífica. Se o dia 28 de julho não existisse, teríamos tido Primeira Guerra?

Sue Woolmans: Este é provavelmente um dos mais debatidos “e se” de história. A minha opinião é “espécie de”! Na segunda década do século 20, tivemos Jorge V no trono britânico, Nicolau II no trono russo, Guilherme II no trono alemão e poderíamos ter tido Francisco Fernando no trono austríaco – todos os países mais poderosos da Europa. Jorge V e Francisco Fernando eram homens de paz, que não queriam a guerra. Nicolau II também não queria a guerra, mas era um líder muito fraco. Guilherme II vacilava entre desejar ou não a guerra, mas era um bom amigo de Francisco Fernando, a quem teria influenciado.

Tivemos também um bom número de políticos austríacos e alemães que desejavam a guerra e políticos britânicos que não queriam a guerra, mas estavam se preparando para isso. Alguns políticos russos desejavam a guerra. Eu acho que esses políticos poderiam muito bem ter empurrado a Europa para uma guerra, mas isso não teria acontecido logo em 1914. Na verdade, ela poderia muito bem não ter acontecido até a década de 1930, quando todos esses governantes teriam sido sucedidos por herdeiros que não eram líderes fortes como eles eram. Nesse caso, só teríamos tido uma guerra mundial e não duas.

Rodrigo Trespach: Seu livro retratou o casal Fernando e Sophia de uma maneira nova, original, diferente da visão a que estávamos acostumados. Durante o centenário, isso pode ser notado ou as pessoas continuam a enxergar o casal como antes?

Sue Woolmans:  Sempre houve muita desinformação sobre Francisco Fernando e Sophie. Isso remonta à corte austríaca da década de 1890. Sem revelar muito do livro, Francisco Fernando não pareceu ser o príncipe encantado dos contos de fadas – ele não tinha charme e boa aparência e era conhecido por ser temperamental. Ele também era realmente muito doente e tudo isso o tornou impopular com a corte austríaca e o público. Sophie também não era o que eles esperavam – ela não era nobre, ela não era jovem, ela não era convencionalmente bonita. Por tudo isso, Francisco Fernando e Sophie transmitiam uma impressão muito ruim, que foi refletida nos livros de história desde então.

Os próprios austríacos até hoje não gostam muito dele. Eles olham para trás, para sua corte imperial, através de óculos cor-de-rosa e enxergam o glamour e a beleza da imperatriz Isabel [1837-1898]. Eles não querem ouvir sobre a história de Francisco Fernando. Quanto mais descobríamos sobre Francisco Fernando e sua família, mais nós gostávamos deles. Então queríamos contar a história e tentar mudar a percepção das pessoas sobre o casal. Estamos muito orgulhosos de dizer que seus descendentes estão felizes com a nossa forma de retratar o casal e nosso livro está à venda na loja no castelo da família em Artstetten.

Infelizmente, ao longo do centenário, muito do que foi dito sobre Francisco Fernando e Sophie foi a partir dos livros de história padrão. Mas continuamos a tentar mudar opiniões. Temos realizado palestras e escrito artigos sobre eles. No dia 28 de Junho de 2014, seus descendentes realizaram um serviço memorial para dar graças por suas vidas e para a vida de seus filhos. O serviço foi feito pelo cardeal Schönborn, que falou com grande reverência sobre o casal.

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Rodrigo Trespach: Como foi a recepção do livro na Inglaterra e na Europa? Sabemos que os sérvios consideram Gravilo Princip um herói.

Sue Woolmans: O livro ainda não foi publicado na Áustria. Tem sido bem recebido na Inglaterra e já vendeu bem. As pessoas sabem pouco sobre a história e ficam surpresos com ela. Também pela forma como Francisco Fernando foi mal retratado no passado. Eu adoraria que o livro fosse publicado na Sérvia.

Sim, os sérvios ainda consideram Princip como um herói. Os bósnios não o consideram, a menos que eles sejam sérvios da Bósnia. Os sérvios causaram um grande dano à Bósnia na guerra civil da década de 1990, e muita amargura ainda existe entre os dois países. Nós não nos alongamos muito sobre a personalidade de Princip, mas eu realizei uma de leitura aprofundada sobre ele. Além de ser um assassino, ele não era um personagem muito bom – ele era conhecido, por exemplo, por atacar fisicamente seus colegas, quando eles não concordavam com sua política. No entanto, eu tenho alguma simpatia por ele, a vida não era fácil. E ele teve uma morte triste e solitária na prisão, embora ele não parecesse compreender o horror que suas ações desencadearam no mundo, e não tenha se arrependido do que fez.

Rodrigo Trespach: Como o estudo da figura de Ferdinando colabora com a compreensão com as causas da guerra?

Sue Woolmans: Certamente, estudando Francisco Fernando é possível entender as causas da Primeira Guerra Mundial. O ano de 1914 consiste em várias guerras nos Bálcãs, a anexação da Bósnia pela Áustria e a militarização da Alemanha. Após o assassinato, há o mês de negociações políticas que levam à guerra. Tratamos disso no livro, mas não em profundidade. O livro é muito sobre a personalidade e não sobre política. Mas é impossível evitar a política e lidamos com ela de forma breve e clara.

Rodrigo Trespach: No ano passado, o mundo lembrou-se da Primeira Guerra de maneira especial. O que você acha que marcou o centenário da guerra, mudamos nossa maneira de ver o conflito? Os novos estudos e abordagens colaboraram com a compreensão da guerra?

Sue Woolmans: Eu me pergunto como vocês marcaram o centenário da guerra no Brasil? Na Inglaterra, eu achei que nós realmente fizemos o que se esperava que fizéssemos. Estivemos concentrados na vida dos soldados nas trincheiras, nos cemitérios na Normandia, no [memorial de] Menin Gate em Ypres, nas papoulas e comemorações.

Houve três principais livros sobre o início da guerra publicados no Reino Unido. Todos eles muito intelectualizados e muito detalhados. Eles descrevem a incompetência dos políticos e as pessoas têm pensado certamente em como tudo poderia ter sido evitado e quanto houve desperdício de vidas. Mas não houve nenhum repensar profundo sobre as causas da guerra. Eu diria também que o nosso modo de comemoração não mudou, foi apenas mais intensa este ano.

O Assasinato do Arquiduque
Rodrigo Trespach: 
Que relação você vê entre a atual situação da Europa e a década inicial do século 20?

Sue Woolmans: Bem, acho que a primeira coisa que eu posso dizer é que ainda temos assassinos e suas ações criam tensões entre os países. Estou respondendo a essas perguntas na semana em que os ultrajes de Paris [o atentado a revista francesa Charlie Hebdo] ocorreram e rezemos para que os assassinatos de lá não nos levem a mais violência.

A maioria da população da Bósnia em 1914 era muçulmana e estava descontente com as regras impostas por outro estado – muito parecido com o Iraque de hoje. Na Europa de hoje, temos uma lacuna cada vez maior entre os que têm e os que não têm lugar na sociedade. Não é tão grande como nos dias de Princip, mas cria um mal-estar social. E, apesar de nós já não termos tantos reis e rainhas, as fronteiras da Europa se assemelham muito mais com 1914 do que as de 1974. O flagelo do século 20, o comunismo, foi erradicado da Europa, mas o nacionalismo prevalece, especialmente no Leste europeu.

Rodrigo Trespach: Fugindo um pouco da história e do livro, o que você conhece do Brasil?

Sue Woolmans: Oh, eu não sei muito sobre o Brasil. Eu gostaria de visitar, parece um país tão bonito e vocês têm belas praias e um clima melhor do que nós aqui no Reino Unido. Espero que a Copa do Mundo no Brasil tenha impulsionado o turismo. Eu odeio confessar que eu não sei nada sobre futebol, embora eu saiba que Pelé seja o maior jogador de futebol de todos os tempos. Eu li um pouco sobre a história brasileira, principalmente sobre a família real brasileira e gostaria de visitar Petrópolis. Admiro a princesa Isabel, ela tentou fazer o seu melhor, educando seus filhos enquanto lutava em um mundo de homens. Eu tenho um amigo brasileiro adorável que é um historiador da Família Real. Ele me enviou todos os recortes de imprensa sobre o nosso livro quando ele foi lançado no Brasil.

Rodrigo Trespach: Obrigado Sue! Foi um prazer ter podido conversar com você. Sucesso com o livro e aguardamos novidades suas.

O livro O Assassinato do Arquiduque pode ser comprado no site da Cultrix. Ainda sobre o livro e os autores, acesse a página oficial em inglês: www.assassinationofthearchduke.com

Rodrigo Trespach – www.rodrigotrespach.com

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