Ano Zero: Uma história de 1945

Ano Zero Uma história de 1945
Os horrores da Segunda Guerra não terminaram em 1945. Para muitos países e povos na Europa, na África e na Ásia a guerra apenas entrou em uma nova fase, não menos cruel do que a que havia sido travada entre 1939 e 1945. Em Ano Zero, Ian Buruma narra o lado obscuro e real de um conflito sem heróis ou vilões.

Combates violentos, bombardeios aéreos e terrestres, migrações, fome, estupros, campos de concentração. Quem acredita que tudo isso terminou em 1945 está mal informado sobre a história da Segunda Guerra Mundial. Em Ano Zero: uma história de 1945, lançamento da Companhia das Letras (2015), o historiador holandês Ian Buruma traz a tona fatos pouco conhecidos do grande público sobre o maior conflito bélico da história da humanidade. Ou pelo menos explora de maneira mais contundente do que comumente estes aspectos.

Nascido em Haia, na Holanda, poucos anos depois do fim da guerra, Buruma estudou literatura, arte e história no Japão e na Holanda, onde concluiu o doutorado em teologia na Universidade de Groningen. Buruma trabalhou como jornalista e autor de documentários em diversos países, colaborando com revistas e jornais com The New York Review of Books, The New York Times Magazine, The New Yorker e o Financial Times. Atualmente é professor no Bard College, em Nova York.

Em Ano Zero: uma história de 1945, Buruma narra o lado obscuro e real de um conflito sem heróis ou vilões. Os Aliados, vencedores, foram tão cruéis com algumas populações quanto os alemães ou japoneses antes deles. Como uma visão panorâmica e detalhista, que inclui a história do próprio pai, prisioneiro na Alemanha durante a guerra, Buruma visita a personalidade humana, com seus medos e traumas, como poucos.

Com um senso acurado de imparcialidade histórica, o holandês, que também é descendente de judeus, foge das predefinições e conceitos fabricados ao longos dos últimos 70 anos, questionando ideias e revisitando acontecimentos não explorados nos livros sobre a Segunda Guerra.

No norte da África, a França libertada da opressão nazista não aceitou os movimento de independência argelino do pós-guerra. Cidades foram bombardeadas, milhares foram presos, torturados e executados. Estima-se que mais de 30 mil argelinos tenham morrido por ordens vindas de Paris. Mesma situação ocorreu no Vietnã, colônia francesa ocupada pelo Japão durante a guerra.

Os cerca de 10% dos soldados capturados que vestiam uniformes alemães na França depois da invasão da Normandia eram russos. Esses russos, que em sua maioria não falavam uma só palavra de alemão, estavam felizes e aliviados de se renderem aos britânicos. Não lutaram movidos pela causa de Hitler, mas como haviam se rendido aos alemães durante a Operação Barbarossa, seu retorno à União Soviética, onde eram considerados traidores da pátria, significaria a escravidão e morte nos gulags de Stálin.

No Japão, assim como na Alemanha e nos países derrotados, a economia permaneceu baseada no mercado negro e a sobrevivência de muitas famílias só ocorreu através da prostituição. Vistos como homens superiores por terem vencido a guerra, os norte-americanos tornaram-se alvo fáceis de milhares de mulheres japonesas cujos maridos estavam mortos ou presos pelas forças de ocupação.

Na Alemanha, franceses e norte-americanos estupraram tantas mulheres alemãs quantas puderam. Talvez só os tenham realizado em menor quantidade do que os russos em Berlim, onde o número de estupros, e consequentes suicídios, foi assustador. Mas a vida sexual não se limitou a estupros; depois de seis anos de guerra, o número de casamentos e filhos nascidos do encontro casual entre a população civil e soldados também foi um surto. De alegria ou de pavor.

No Japão, a presença de soldados negros entre as tropas de ocupação causou horror em um país cuja propaganda havia feito de tudo para desacreditar o inimigo. O que não impediu que, só em Yokohama, pelos menos 3 mil mulheres japonesas tivessem filhos com negros.

O  número de migrações internas foi outro fator nunca visto na história da Europa. Em maio de 1945, quando a guerra terminou, milhões de prisioneiros do derrotado Reich de Hitler, mantidos em campos de concentração e de trabalhos forçados, e refugiados vindos da linha de frente não sabiam para onde ir. Muitos haviam perdido tudo, família, casa e até mesmo a nacionalidade, especialmente os que eram originários da Europa Oriental. Fronteiras foram criadas ou redefinidas, países criados ou extintos e minorias étnicas mais uma vez erravam em busca de um lugar onde pudessem reconstruir suas comunidades.

E o sentimento de vingança encontrou guarida na ideia de que se podia retribuir o mal feito durante a guerra. Pela Europa inteira e também no Japão, mulheres que haviam dormido com alemães e japoneses tiveram seus cabelos cortados, os corpos pintados com piche e muitas foram espancadas até a morte. Aqueles que haviam colaborado, na maioria das vezes forçados ou na esperança de se manterem vivos, foram marginalizados, excluídos da sociedade pós-guerra. Tornaram-se indesejáveis.

Enfim, em Ano Zero Buruma narra o lado obscuro e real de um conflito sem heróis ou vilões, o conflito humano pela sobrevivência e pela reconstrução.

Por Rodrigo Trespach

Compre o livro ou saiba mais sobre a obra no site da Companhia das Letras.
Ou ainda, acesse o site oficial do escritor (em inglês) www.ianburuma.com

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