Exclusivo: entrevistamos Bernard Wasserstein

Em maio, relembramos do septuagésimo aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial na Europa. Postamos ao longo dos meses diversos posts alusivos a guerra, assim como dicas de leitura a respeito.

Um das dicas foi o livro Na Iminência do Extermínio (Cultrix, 2014), escrito por um dos mais conceituados historiadores judeus na atualidade, o dr. Bernard Wasserstein, professor emérito na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos.

Na Iminência do Extermínio é um livro surpreendentemente perturbador sobre o colapso do povo judeu às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Além do primoroso e original trabalho histórico, o livro é importantíssimo como fonte de conhecimento cultural da civilização judaica.

Para ampliarmos o debate sobre causas e consequências da Segunda Guerra, entrevistamos o autor de Na Iminência do Extermínio.

Bernard Wasserstein nasceu em Londres, na Inglaterra, em 1948. Graduou-se em História Moderna no Balliol College, Oxford, em 1969, e concluiu o doutorado no Nuffield College, Oxford, em 1974. Em 2001 recebeu também em Oxford o título de doutor em letras. Wasserstein já lecionou nas universidades de Oxford, Sheffield, Jerusalém, Brandeis, e Glasgow. Especialista em história judaica, Wasserstein é professor emérito na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, e autor de 12 livros sobre o tema.

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Rodrigo Trespach – Dr. Wasserstein, muito obrigado por nos conceder essa entrevista, que obviamente está direcionada ao público de língua portuguesa. Escrever sobre os judeus do período entre guerras é uma pesquisa original. Como surgiu a ideia?

Bernard Wasserstein – Eu tinha escrito um livro sobre os judeus da Europa durante a Segunda Guerra Mundial e outro sobre os judeus da Europa desde a Segunda Guerra Mundial, portanto, este parecia o próximo passo lógico para um historiador.

Rodrigo Trespach – Os nazistas eram a vanguarda do velho antissemitismo europeu?

Bernard Wasserstein – Em seu assassinato, sua organização e sua suposição de monopólio de poder estatal, eles foram, naturalmente, diferente de outros movimentos antissemitas na Europa. Mas o antissemitismo foi, afinal, um fenômeno em todo o continente entre o final do século XIX e início do século XX e na verdade tinha profundas raízes sociais em países como Polônia e Romênia. Em seus aspectos racistas, este antissemitismo era diferente do que você chama de “velho antissemitismo europeu”, que era principalmente de inspiração religiosa. Mas o velho e o novo se reuniram nos nacionalismos extremistas dos pequenos Estados europeus entreguerras – e, claro, na Alemanha.

Rodrigo Trespach – Os judeus estavam divididos (político e culturalmente). Isto favoreceu leis antissemitas em muitos países. A comunidade judaica mais unida e forte poderia ter evitado o Holocausto?

Bernard Wasserstein – Eu não penso assim – e, em qualquer caso, eu prefiro geralmente evitar histórias de como poderia ter sido. O que está claro é que as divisões dentro judaísmo europeu, entre esquerda e direita, entre religiosos e seculares, entre judeus sionistas e de assimilação, facilitou o trabalho de seus inimigos. “A unida e forte” comunidade judaica poderia ter existido apenas em um mundo completamente diferente – aquele em que não tivesse existido Revolução Francesa e emancipação judaica, ou uma em que todos os judeus fossem comunistas ou sionistas, ou ortodoxa, ou…Mas tal mundo é impossível de se imaginar e não há realmente como se especular sobre isso.

Rodrigo Trespach – Você escreveu que os judeus não eram passivos. Mas eles foram capturados em um momento infeliz da própria história. Isto favoreceu seus inimigos, foi decisiva?

Bernard Wasserstein – Sim, eles foram vítimas de um conjunto de contingências históricas: a derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial, os conflitos entre revolução e reação na Europa Centro-Oriental, a Grande Depressão. Eu não acredito, por exemplo, como o historiador David Vital argumentou, que eram desajustados eternos dentro da sociedade europeia, inevitavelmente condenada: que é impor o resultado do futuro em um passado que continha uma miríade de diferentes possibilidades…

Rodrigo Trespach – Em países de língua alemã, grandes escritores e artistas eram judeus. E eles se consideravam alemães. É difícil acreditar que alguém como Stefan Zweig tenha sido perseguido…Como o público reagiu a isso, com silêncio?

Bernard Wasserstein – As pessoas, às vezes, zombam retrospectivamente de tais escritores, sugerindo uma cegueira à realidade. Mas isto é totalmente equivocado. Eles não apenas se consideravam alemães: eles eram alemães. Eles eram, afinal, os repositórios mais verdadeiros da grandeza cultural alemã do que os bárbaros que os expulsaram. E eles sabiam disso. Certamente Zweig sabia disso. E, creio eu, a ação de um coração desesperado o levou ao suicídio.

Quanto a reações do público, infelizmente, a maior parte da elite cultural alemã, com exceção da esquerda (eles próprios perseguidos), uns poucos cristãos e alguns individualistas liberais, mantiveram suas cabeças abaixadas. As memórias de Sebastian Haffner e Joachim Fest dão um excelente sentido de como era a atmosfera na Alemanha entre 1933 e 1939. Os opositores do regime encontraram-se não só impotentes, mas também sem voz.

Rodrigo Trespach – O historiador francês Christian Ingrao escreveu sobre os oficiais da SS. Os perseguidores de judeus eram professores, historiadores e juristas com o ensino superior e PhD’s. Isso também é difícil de se acreditar hoje…

Bernard Wasserstein – Isso às vezes é exagerado. Os perseguidores vieram de todos os segmentos da sociedade e todos os níveis da educação. Educação formal, infelizmente, não é necessariamente uma garantia de iluminação. Da mesma forma, na outra extremidade do espectro, alguns dos mais bravos oponentes alemães aos nazistas eram homens e mulheres de grande cultura, outros eram pessoas simples, sem instrução.
Na iminência do extermínio

Rodrigo Trespach – Estamos revivendo ondas extremismo, como na década de 1930. Intolerância ainda é o grande mal da humanidade?

Bernard Wasserstein – Eu não gosto dessas comparações. A Europa de hoje não se assemelha a da década de 1930 em qualquer grau significativo. Pelo contrário, eu diria que a crise econômica dos últimos sete anos tem demonstrado (pelo menos até agora) a capacidade de resistência das instituições que foram criadas após a Segunda Guerra Mundial: não só a UE, a NATO e do FMI, mas o mais importante, o Estado de bem-estar.

Como resultado, o desemprego em massa foi contido e seus efeitos limitados. É verdade, temos visto a ascensão de partidos extremistas e alguns deles têm prosperado nos últimos anos. No entanto, a base democrática de todos os membros da UE tem sido mantida; não obstante o aumento das tensões religiosas e raciais na Europa, os direitos das minorias permaneçam seguros. Lembro-me de que, durante a última grande crise econômica na Europa, em meados dos anos 1970, as pessoas falavam sobre um retorno à década de 1930 e profetizavam um colapso renovado no hiper-nacionalismo e extremismo. Mas isso não acontecerá. Embora, é claro, reconhecendo as estirpes no edifício europeu hoje, acredito que as estruturas básicas permanecem seguras.

Quanto a “intolerância”, isto é, é claro, uma ameaça constante. No entanto, há muitas tendências no outro sentido na Europa de hoje; olhe para a reação esmagadora do público na França após o tiroteio Charlie Hebdo. Olhe para o resultado do referendo irlandês sobre o casamento gay no outro dia. Eu não subestimo as animosidades que foram despertadas em muitos países contra os imigrantes e contra os muçulmanos. Mas não houve “leis raciais” e grandes sociedades europeias permanecem em seus lugares onde as pessoas querem parar de fugir ao invés de fugir. A esse respeito também, as coisas eram muito diferentes na década de 1930.

Rodrigo Trespach – Qual é o futuro dos judeus europeus hoje?

Bernard Wasserstein – Bem, como eu mencionei anteriormente, eu escrevi um livro há alguns anos sobre os judeus na Europa desde 1945. O seu título Vanishing Diaspora [The Jews in Europe since 1945] encapsula o argumento que os judeus na Europa estavam em uma espiral de declínio demográfico, desintegração social  e dissolução cultural.

O livro apareceu em vários idiomas europeus (infelizmente, não em português) e provocou um debate vigoroso. Isso foi em 1996. Durante as últimas duas décadas, deve-se dizer que as tendências que eu anotei no livro só foram acentuadas. Agora apenas cerca de 1,4 milhões de judeus deixaram o continente, em comparação com dez milhões em 1939 e quatro milhões em 1945. Emigração e uma taxa de natalidade muito baixa se combinaram para reduzir as perspectivas demográficas para a sobrevivência judaica no continente.

Todas as tendências atuais apontam na mesma direção: o abandono da prática religiosa, a assimilação social, a perda de especificidade cultural (por exemplo, a morte das línguas judaicas, como o iídiche e o judeu-espanhol).

Sem dúvida, uma pequena presença judaica, residual, continuará a existir na Europa – mas cada vez mais eles serão meras “comunidades zeladoras”, guardiões dos restos de uma civilização, outrora vibrante, mas não mais. Então, eu não estou muito otimista sobre o futuro judeu na Europa.

Rodrigo Trespach – Você conhece o Brasil; algumas palavras sobre o país?

Bernard Wasserstein – Posso bem entender a fascinação de Stefan Zweig com o Brasil, como uma sociedade nova, dinâmica, cheia de todos os tipos de possibilidades. Eu senti isso quando viajei para o Brasil pela única vez na minha vida, em 1981. Eu amei cada minuto. É hora de eu visitar novamente!

Rodrigo Trespach – Será um prazer recebê-lo doutor. Esperamos a visita para breve. Mais uma vez, agradeço a cordialidade e a disponibilidade em nos conceder esta pequena entrevista. Desejamos sucesso!

Rodrigo Trespach

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