Schaeffer: herói ou vilão?

Em 21 de agosto de 1822, dezessete dias antes da Independência, José Bonifácio entregou a Georg von Schaeffer instruções secretas de como proceder na Europa: Deveria “penetrar a política do gabinete austríaco, prussiano e bávaro; pondo em prática todos os meios possíveis para alcançar à sua adesão a causa do Brasil”. Era o início do projeto de Imigração Alemã no Brasil.

Ele foi o principal responsável pela vinda das primeiras levas de alemães para o Brasil, em um processo patrocinado pelo governo. Nem por isso é celebrado em centros culturais, muito menos pela historiografia publicada a respeito. O jornalista Laurentino Gomes, por exemplo, repetiu a cartilha simplista de historiadores da primeira metade do século XX e o definiu como “personagem secundário que vive nas sombras”, além de reproduzir a opinião de Tarquínio de Souza: “bêbado contumaz”. Mas na história, sempre existem dois lados.

Georg Anton Schäffer

Johann Georg Anton Aloys Schaeffer nasceu em 1779, em Münnerstadt, cerca de 330 km ao norte de Munique. Estudou farmacologia em Würzburg e concluiu o doutorado em Göttingen, na Alemanha. Viveu quatro anos na Rússia, onde pelos serviços prestados, recebeu do czar o título de barão, acrescentando o “von” – preposição indicativa de nobreza – ao nome. No ano seguinte partiu em viagem exploratória ao redor do mundo. Esteve na China, Havaí e no Alasca, chegando ao Brasil em 1818. Sabendo da paixão de d. Leopoldina pela botânica presenteou a princesa com sementes exóticas da Ásia, o que lhe rendeu a amizade da futura imperatriz.

A imagem negativa que os livros de História fazem de Schaeffer, ou do “major von Schaeffer” como é comumente chamado pela bibliografia, deve-se, em parte, ao que escreveram dele os soldados alemães que estiveram no Brasil e retornaram a Europa desiludidos com promessas não cumpridas. A publicação dessas obras disseminou a ideia de que o país havia sido enganado por um aventureiro, agiota, interesseiro e, além do mais, dado a orgias regadas a álcool.

A troca de correspondências entre Schaeffer e Bonifácio, além das que ele trocou com a imperatriz, d. Pedro I e seus ministros, revela o outro lado da história. Ligado a maçonaria, Schaeffer era poliglota, inteligente, organizado e, como o Patriarca, tinha ideias abolicionistas e liberais. Em de 1821, antes de ser incumbido de trazer colonos para o governo, Schaeffer recebeu terras devolutas nas proximidades do rio Peruípe, em Viçosa, no sul da Bahia. Ali, com algumas famílias alemãs, fundou a colônia de Frankental e tentou plantar café sem a utilização da mão de obra escrava.

Bonifácio

José Bonifácio e Schaeffer não só projetaram a organização de colônias no Brasil, mas na própria criação de uma nova capital para o país – o que o Patriarca da Independência propôs na Constituinte de 1823. Schaeffer deu até as coordenadas: o local exato, onde quase 140 depois, Brasília seria construída! Depois que José Bonifácio foi exilado, Schaeffer se viu em apuros. Não sabia a quem agradar em meio à complicada política brasileira do Primeiro Reinado. Eram tantas as ordens e contraordens que d. Pedro I chegou a lhe enviar uma carta, nos seguintes termos: “Eu lhe ordeno que em lugar de colonos casados mande mais 3.000 solteiros para soldados. O ministro dos Negócios Estrangeiros lhe mandou dizer que não mandasse mais, mas eu quero que os mande”. O marquês de Barbacena reconheceu mais tarde, que poucos poderiam ter enviado ao Brasil cerca de 8 mil alemães a custos tão módicos em tão pouco tempo.

Enviado a Europa antes que os países europeus reconhecessem independência, e agindo em segredo, como determinavam as ordens de José Bonifácio, teve enormes dificuldades em cumprir os planos brasileiros inclusive de se defender dos ataques que lhe eram dirigidos. Considerado um agitador, foi processado pelo “tráfico de escravos” e a “venda de almas”. Um antigo desafeto o chamou de “uma espécie de traficante de carne humana”. Perseguido na Alemanha e com d. Pedro cada vez mais pressionado a encerrar os gastos destinados a imigração – o que, de fato, ocorreu em 1831 -, Schaeffer encerrou sua atuação na Europa e retornou ao Brasil. Permaneceu pouco tempo na Bahia, voltando à Alemanha, de onde solicitou ao imperador, por carta, que “se digne conservar a minha honra e não me abandone aos meus inimigos que criei no serviço de Vossa Majestade Imperial”. Era o fim. Schaeffer faleceu alguns anos depois, provavelmente em 1836. Para seus detratores, “afogado no álcool” em sua colônia na Bahia, mas para História foi o responsável pela primeira onda imigratória alemã no Brasil.

© Por Rodrigo Trespach
Texto publicado na Revista História Viva, de outubro de 2013, e reproduzido no livro Cidade dos Ventos, de 2014, páginas 77 a 80.

 

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