Há quase dois séculos, Der Kranich chegava ao Rio de Janeiro com colonos alemães

O navio Der Kranich, que entre outras trouxe a minha família ao Brasil, chegou ao Rio de Janeiro em 15 de janeiro de 1825, após pouco mais de dois meses de viagem desde Hamburg, na Alemanha.

A data de chegada do Kranich no Brasil é confirmada pelo jornal O Diário Fluminense, de 18 de janeiro de 1825, que encontrei na Biblioteca Nacional , em 2009, e não saiu na primeira edição de Passageiros no Kranich (2007), apesar da suposição sobre a data estar correta.

Antônio Soares Souza, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1976, já havia mencionado o jornal com fonte de informação, mas a data não foi mencionada em nenhum outro trabalho sobre a imigração publicado posteriormente e até a pouco tempo havia certa dúvida quanto a chegada (entre 15 e 18 de janeiro) deste navio que trouxe nada menos do que 359 imigrantes alemães para o Brasil somente em sua primeira viagem (1824-1825) – destes 282, ou 54 famílias, vieram para o Rio Grande do Sul. Hoje, parece não haver mais dúvidas quanto a isso.

O Kranich fez outra viagem ao Brasil, em 1825 , chegando ao Rio de Janeiro em 18 de janeiro de 1826 – data essa já confirmada por vários autores devido a existência, no Arquivo Nacional, da lista de passageiros do navio. O navio, com mais de 30 anos, foi destruído logo após uma terceira viagem ao Brasil, onde não trouxe passageiros, mas produtos comerciais para o nordeste brasileiro.

O Diário Fluminense de 18.01.1825

A visão que os alemães do século XIX tinham do Rio de Janeiro dividia opniões; elogios e ideias preconceituosas habitavam a mente dos viajantes alemães.

J. B. von Spix e Carl F. P. von Martius, que chegaram ao Rio em 1817, junto da comitiva da então arquiduquesa Leopoldina relatam, em Viagem pelo Brasil (1817-1820), a bela beleza da paisagem ao entrarem no porto:

Não tardou a patentear-se aos nossos olhos, embora ainda distante, a grandiosa entrada do porto do Rio de Janeiro. À direita e à esquerda, elevam-se, como portões da baía, escarpados rochedos, banhados pelas vagas do mar; o que domina ao sul, o Pão de Açúcar, é o conhecido marco para os navios afastados. Depois do meio-dia alcançamos, aproximando-nos cada vez mais do mágico panorama, os colossais portões de rocha, e finalmente por eles entramos no vasto anfiteatro, onde o espelho do mar reluzia como sossegado lago, e, espalhadas em labirinto, ilhas olorosas verdejam limitadas ao fundo por uma serra coberta de matas, como jardim paradisíaco de fertilidade e magnificência. Do forte de Santa Cruz, pelo qual nossa chegada foi anunciada à cidade, trouxeram-nos uns pilotos a licença para nos adiantarmos. Enquanto se tratava desses pormenores, todos se deleitavam na contemplação do país, cuja doçura, cuja variedade encantadora cujo esplendor superam o que há de mais belo na natureza, como jamais havíamos visto.

O mercenário Theodor Bösche, que chegou ao Rio em abril de 1825, também escreveu sobre o grande anfiteatro: “não há pincel capaz de pintar a magnificência desta natureza grandiosa”.  O pastor F. L. Langstedt, que passou pelo Rio de Janeiro em 1782, acompanhando uma tropa mercenária alemã que se dirigia a Índia, observou, assim como os dois cientistas bávaros anos depois (Spix e Martius), que as serras cariocas eram tão pitorescas como ele nunca havia visto na vida. 

O prussiano Ludwig von Rango, “animado das mais gratas sensações”, compôs um poema ao avistar o pão de Açúcar, em 1819:

Clareia o dia e, com encanto,
vejo no fulgor do sol
o dorso de alto penhasco,
na forma de um Pão-de-Açúcar,
Oh! como se levantam ardentes,
no voo solar da águia,
os desejos que desabrocham
com a minha juventude.

O mercenários Carl Seidler escreveu que nenhum porto no mundo “vale o porto do Rio de Janeiro”. E resumiu o caráter militar da baía: “altas montanhas envolvem o conjunto e os navios aqui ficam tão seguros como o filho ao colo da mãe”.

Mas para os alemães nem tudo eram rosas, o viajante Ernst Ebel relatou com o preconceito típico o século XIX que “estranha é a sensação do desembarque. Ao invés de brancos, só vi negros, seminus, a fazerem um barulho infernal e a exalarem um cheiro altamente ofensivo ao olfato”.

O pintor bávaro J. Moritz Rugendas achou que a cidade era inteiramente desprovida “de edifícios realmente belos”.  Só as igrejas chamavam a atenção, e eram muitas, quarenta ao todo. O prussiano Theodor von Leithold notou também o grande número de vendas, “não há rua, ou travessa, mesmo num raio de cinco ou seis horas em torno da cidade, que não tenha a sua venda a pouca distância uma das outras”. 

Após a chegada no Rio de Janeiro as famílias do Kranich foram encaminhadas à São Leopoldo, onde começaram a chegar em março de 1825.

Rodrigo Trespach – www.rodrigotrespach.com

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