Homo Deus: uma breve história do amanhã

Homo Deus

Autor do best-seller internacional Sapiens, Harari agora volta os olhos para o futuro da espécie humana na Terra. E suas considerações sobre o que nos aguarda são surpreendentes.

Se você ainda não sabe o significado de “algoritmo” é bom procurar se informar. Para Harari, autor de Homo Deus, uma breve história do amanhã (Companhia das Letras, 2016), o novo dogma da ciência é a constatação de que os organismos orgânicos, sensações e emoções são algoritmos; a vida não passa de um processamento de dados bioquímicos – é o que o historiador israelense descreve com a religião do dataísmo.

Constatar que somos um complexo banco de dados não é nenhuma novidade, o problema é que, com base nas orientações da nova “religião”, estamos construindo e permitindo que um grupo de algoritmos (ainda) não conscientes mas altamente inteligentes estejam gradualmente nos substituindo. E não apenas como força de trabalho braçal, como era o temor durante a Revolução Industrial.

Para quem nunca ouvi falar,  Yuval Noah Harari é doutor em história pela Universidade de Oxford, especializado em história mundial e professor da Universidade Hebraica de Jerusalém. E é autor, claro, do best-seller Sapiens, uma breve história da humanidade.

“O único e autêntico eu é tão real quanto a alma eterna cristã, Papai Noel e o Coelhinho da Páscoa”.

O Homo Sapiens é uma montagem de algoritmos orgânicos modelada pela seleção natural durante milhões de anos de evolução. E é finito, tanto em seu tempo de duração – há um tempo relativamente pequeno para que ele morra – quanto pela sua capacidade de armazenar e processar dados, algo quase que ilimitado para um algoritmo não orgânico. Esses organismos não orgânicos – o que chamamos de inteligência artificial, ou IA –  podem nos conhecer melhor do que nós mesmos e estão fazendo escolhas por nós em níveis cada vez maiores.

Com apenas 10 “Likes”, o Facebook consegue superar o que seus colegas de trabalho sabem sobre você; com 70 ele supera seus amigos; com 150 seus familiares e com 300 seu cônjuge. O Facebook é apenas parte desse processo. O Google tem o mesmo poder. E eles não gastam nada para isso, nós lhe damos toda a informação necessária – nosso recurso mais valioso, os nossos dados pessoais – de graça.

Na Revolução Industrial, as máquinas se limitavam a realizar trabalhos mecânicos enquanto os humanos se concentravam em ações que requeriam aptidões cognitivas que eram, até então, exclusividade do Sapiens. Os últimos avanços tecnológicos do século XXI, no entanto, estão tornando possível que máquinas (algoritmos não orgânicos) consigam armazenar, analisar e reconhecer padrões melhor do que humanos (o reconhecimento facial do Facebook, as opções de busca do Google, o Uber e outros aplicativos que você tem ao alcance da mão, em seu celular, são apenas a parte popular da inteligência artificial).

Para Harari, com o avanço dos algoritmos não orgânicos, os orgânicos, ou seja, nós, estamos nos tornando uma classe de inúteis; substituíveis. O erro de trajetória também passa pela estrutura de sociedade que o Sapiens desenvolveu. Mais de 99% das qualidades e aptidões humanas são redundantes para a maior parte das atividades modernas, o que permite substituição fácil tanto por um algoritmo não orgânico quanto por outro humano. Especialização em demasia é um resumo adequado. As pessoas se especializam tanto em determinado tema que simplesmente não consegue fazer outra coisa qualquer. É por isso que, geralmente, humanos com aptidões diversas conseguem se dar melhor no mercado de trabalho.

E o liberalismo moderno está ajudando, realizando um “upgrade da desigualdade social”. Com isso, a distância entre classes tende a ficar cada vez mais distante. Em 2016, as 62 pessoas mais ricas do mundo valiam tanto quanto as 3,6 bilhões mais pobres (metade da população mundial). E isso vai aumentar, porque os mais ricos são os principais financiadores de projetos avançados e portanto eles têm acesso à tecnologia de ponta primeiro.

“A solução liberal para a desigualdade social é dar valor igual a experiências humana diferentes, em vez de tentar criar experiências iguais para todos”.

A tecnologia do século XXI avançou de tal forma que o próprio Estado parou. A “tartaruga governamental” simplesmente não consegue alcançar a “lebre tecnológica”. É uma regra geral que os Estados modernos estejam sempre com leis e programas de governos atrasados. A maioria deles já não supre as necessidades de seus cidadãos simplesmente porque não sabe o que fazer.

“Eleições democráticas em geral funcionam somente em populações que têm alguma ligação comum anterior, tal como crenças religiosas e mitos nacionais compartilhados. Elas constituem um método de resolver desacordos entre pessoas que já concordam com o básico”.

As pessoas vivem mais hoje e viverão mais no futuro. Ainda que pareça inacreditável, o homem morre menos de guerras, fome e doenças hoje do que no século passado. E isso também é obra de algoritmos não orgânicos ou inteligência artificial. Pâncreas e coração estão entre os órgãos humanos que já tem correspondentes não orgânicos controlados por IA.

Isso sem contar em membros externos (mãos, braços, pernas etc) – humanos que têm em seus corpos membros ou organismos não orgânicos são chamados de ciborgues. Até mesmo tetraplégicos e portadores de doenças degenerativas, como o físico inglês Stephen Hawking, conseguem controlar carros, computadores e um geração de máquinas altamente desenvolvidas com sistemas acoplados a mente.

As transformações  atingiram uma rapidez inigualável, pela qual o somos bombardeados por uma quantidade não assimilável de ideias, dados, promessas e ameaças. Para fugir delas, renunciamos a nossa autoridade em favor do livre mercado, da “sabedoria das multidões” e de algoritmos externos – os não biológicos.

A resposta às perguntas “O que vai acontecer?” e “Quais serão as implicações de todas essas mudanças?” pode vir acompanhada de outra: “Como os ciborgues e a IA poderiam tratar os humanos?” Harari responde: “É melhor começar a investigar como os humanos tratam seus primos animais menos inteligentes”.

A visão panorâmica e original de Harari reúne pesquisa de ponta em várias áreas do conhecimento humano, da história à genética, passando  por biotecnologia, geopolítica, economia, psicologia e teologia. Homo Deus, uma breve história do amanhã, assim como Sapiens, uma breve história da humanidade, está entre os melhores livros que eu já li – e não foram poucos. Brilhante, altamente recomendável!

Por Rodrigo Trespach

Para conhecer o autor, acesse a Página Oficial de Yuval Noah Harari

Saiba mais sobre a obra no site da Companhia das Letras.

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