Maria Antonieta – Retrato de uma mulher comum

Maria Antonieta

Tão logo Sigmund Freud leu o exemplar de Maria Antonieta, enviado por Zweig como presente, em 1932, o pai da psicanálise escreveu ao escritor vienense, de origem judaica como ele, que o livro, “convincente e tocante no plano humano”, havia capturado “até os laços, inusitados para o historiador, que unem o aparentemente mínimo ao inegavelmente mais visível”.

Stefan Zweig, um dos mais reconhecidos escritores de sua época, que deu fim a seus dias no Brasil, dez anos após ter escrito aquele que talvez tenha sido sua obra-prima, biografou mais do que Maria Antonieta, a rainha da França executada pelos revolucionários, ele capturou a alma da mulher média, comum, traçou o perfil psicológico da última rainha absolutista dos franceses, a mais difamada delas.

“A História não necessita de um personagem central cheio de heroísmo para construir um drama emocionante. O trágico não resulta tão somente dos traços exagerados de um ser humano, mas ainda e sempre, da desproporção entre o ser humano e o seu destino”, escreveu Zweig. Maria Antonieta foi um personagem trágico.

Nascida no seio de uma das famílias mais poderosas da Europa, os Habsburgo austríacos, e por um acordo político, como era de se esperar, ligada à outra importante casa real, a dos Bourbon franceses, desde cedo muito se esperou dela. Primeiro, porque era filha de uma grande estadista, a imperatriz Maria Teresa da Áustria; segundo, porque o casamento com o delfim da França, o futuro rei Luís XVI, representava uma poderosa aliança, que punha do mesmo lado inimigos históricos.

Para o desgosto da mãe, a filha mais nova foi tudo, menos o que dela se esperava. Maria Antonieta nunca deu ouvidos a seus conselhos, não se dedicava a leitura com a frequência recomendada pela imperatriz, sequer se dava o trabalho de ler suas cartas; alheia a qualquer assunto mais sério, sua vida será dedicada aos bailes de máscaras que duram até as altas horas da madrugada, as mesas de jogos, diversões sem fim, vestidos e cabelos extravagantes, gastos exorbitantes, luxúria. E para gozar de todos os prazeres, foge de Versalhes e da Corte, fazendo do pequeno palácio de verão de Trianon seu pequeno e absoluto reino encantado, onde mantêm companhias de caráter duvidoso, interesseiros, bajuladores, aproveitadores de todo o tipo.

O motivo de tamanha vivacidade exagerada, superexcitação e desinibição? Para Zweig, o fracasso sexual de Luís XVI. Casada aos 14 anos com um homem tímido, fraco, indeciso e que durante sete anos foi incapaz de consumar o casamento, Maria Antonieta, jovem, linda, feminina e carinhosa, desenvolveu uma compulsiva e doentia mania de divertimentos; o rei a inibição, a insegurança e a falta de iniciativa, que será a marca de seu reinado.

“A vida não concede nada de graça e tudo que se recebe do destino possui embutido um preço secreto”, escreveu Zweig. Maria Antonieta não pensa em pagar esse preço. Mas pagará com a vida, com a dela e a de seu esposo desastrado.

Quando a tempestade revolucionária atinge Versalhes, não é contra o rei “Luís,  o lerdo” – um amante da caça e ferreiro por divertimento – que se dirigem as palavras mais ríspidas e pesadas acusações, é sobre a “Louve autriachienne”, a prostituta austríaca, que recaem todas as calúnias e injúrias, a culpada de todos os males seculares da França; não é poupada de nada, até mesmo de incesto é acusada.

Para Zweig, a culpa de Maria Antonieta foi ter chegado à missão mais grandiosa da história com uma leviandade sem par e enfrentado o mais duro conflito revolucionário do século com um coração frívolo demais.

Maria Antonieta é uma obra magistral, sobre todos os pontos de vista. Da pesquisa a produção em narrativa dramática, Zweig trabalhou pouco mais de seis meses na obra, que na publicação original em alemão – Maria Antonieta: Bildnis ein Mittleren Charakters – tinha nada menos do que 639 páginas. Algo sobre-humano, o que atesta ainda mais a genialidade do escritor austríaco.

Maria Antonieta é sem dúvida alguma, umas das melhores biografias já escritas; sob o aspecto histórico-político e, principalmente, o humano-psicológico, é leitura obrigatória para os amantes de biografias e interessados em Revolução Francesa.

Por Rodrigo Trespach

Saiba mais sobre a obra ou sobre o autor no site da Zahar. Compre o livro no site da Livraria Cultura.

No site da editora ainda é possível ler duas cartas trocadas entre Zweig e Sigmund Freud e assistir comentários do brasileiro Alberto Dines, autoridade internacional em Stefan Zweig e sua obra. Interessados pelo autor podem acessar também o site da Casa Stefan Zweig.

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