O Assassinato do Arquiduque

O Assasinato do Arquiduque

Em 1914 Francisco Fernando era o herdeiro presuntivo do império austro-húngaro, um Estado que nem de longe lembrava o esplendor e o poder dos Habsburgos de outrora; uma coroa dual, um império que reunia povos historicamente inimigos, governado há mais de seis décadas por um imperador preso à antigas tradições, avesso a mudanças políticas necessárias para modernização do país e incapaz de controlar as tensões advindas das diversidades étnicas e religiosas de seu império. A Áustria-Hungria de Francisco José era um barril de pólvora prestes a explodir. O destino quis que o assassinato de seu sobrinho e herdeiro, em 28 de junho daquele ano, fosse o estopim que arrastaria a Europa inteira para a Primeira Grande Guerra Mundial.

Francisco Fernando, ou Franz Ferdinand em alemão, era o filho mais velho de Carlos Luís, um dos irmãos do imperador Francisco José. Teria levado uma vida sem maiores comprometimentos políticos se o suicídio do único filho homem do imperador, em 1889, não tivesse posto seu pai na linha direta de sucessão ao trono do império Habsburgo. Quando pai morreu sete anos depois, Francisco Fernando tornou-se o herdeiro presuntivo do trono de Francisco José.

Ao contrário do primo suicida, popular, individualista e sedutor, com gosto excessivo pelos prazeres do sexo, Francisco Fernando era impopular, avesso as badalações, doente – fora tuberculoso – e nenhum pouco atraente; também não era nenhum exemplo de inteligência, tinha dificuldade com línguas; falava o francês, mas seu inglês era sofrível; estudou a vida inteira, mas nunca aprendeu o húngaro. Mas gostava de história e era um exímio caçador, durante toda a vida abateu 274.889 animais (!) – o que para alguns era sinal de seu caráter sanguinário.

A opinião pública na época, reforçada depois, durante a guerra, pela propaganda antiaustríaca, de um modo geral o tratava como alguém de “visão estreita”, de “natureza desconfiada, impaciente e caprichosa”. Dados a acessos de raiva, tinha maneiras arrogantes; uma vez no trono, era o consenso, instalaria um governo inflexível, retrógrado e tirânico.

Membro da família imperial, qualquer defeito no caráter, ou em suas capacidades intelectuais, seria aceitável, menos uma coisa: um casamento com uma mulher que não estivesse a altura da realeza. Pois foi por uma mulher assim, uma aristocrata, que o herdeiro do império se apaixonou.

A tal ponto que para que o casamento obtivesse o consentimento do imperador, Francisco Fernando precisou jurar solenemente que tanto ela, sua amada Sofia Chotek, quanto seus filhos, jamais se tornariam herdeiros do trono da Áustria-Hungria. Eles sequer teriam o direito de participar de cerimônias oficiais, recepções da família imperial, propriedades do Estado, nem mesmo serem sepultados na cripta da família Habsburgo, em Viena. Não seriam dignos e não estariam a altura de outros membros da família.

Depois de anos sem obter autorização para o casamento, um apaixonado e desesperado Francisco Fernando escreveu uma derradeira solicitação a Francisco José: “Reitero que o desejo de desposar a condessa não é um capricho, mas sim o transbordamento de um enorme afeto…Não posso me casar com nenhuma outra e  nuca o farei; essa ideia me repugna, pois sou incapaz de me ligar a uma mulher sem amor”.

O casamento morganático entre Francisco Fernando e Sofia atingiu em cheio a orgulhosa corte austríaca, que nunca perdoou o herdeiro pela afronta. Até junho de 1914, Francisco Fernando era uma mácula para aquela que fora uma das mais importantes e poderosas Casas Reais da Europa. Quando as notícias do assassinato do casal, realizado pelo sérvio Gavrilo Princip na capital da Bósnia, chegaram a Viena, a maioria achou que o destino corrigira a afronta.

Em O Assassinato do Arquiduque (Cultrix, 2014), os autores Greg King e Sue Woolmans, historiadores com diversas publicações em revistas especializadas sobre biografias das monarquias europeias, revelam o lado privado do casal assassinado e uma face pouco conhecida dos acontecimentos que antecederam o 28 de junho.

Com base em cartas trocadas com parentes e amigos, nos relatos e opiniões de reis, rainhas, duques e condes que mantiveram contato íntimo com a família, e em entrevistas com os descendentes, King e Woolmans fazem uma releitura das personalidades de Francisco Fernando e Sofia e sua vida em Konopischt – o lar da família, hoje na República Tcheca. Desvendam um homem com visão e preocupação com o futuro do país, um pai amoroso e marido fiel; uma mulher dedicada, profundamente religiosa e comprometida com o casamento e com os filhos, que nunca aspirou mais do que a felicidade da família e suportou pacientemente todas as humilhações impostas por sua condição de “não igual” na corte.

King e Woolmans levantam o véu sobre intrigas políticas que tornaram o Império Austro-húngaro o centro nervoso de uma Europa frágil, alicerçada por alianças delicadas e complexas que estavam prestes a ruir e as ligações de grupos extremistas sérvios e bósnios com a Rússia Imperial – o que explica não apenas a eclosão da Primeira Guerra Mundial, mas também as sangrentas guerras civis na região dos Bálcãs durante a década de 1990.

Revelam ainda as dificuldades que os herdeiros morganáticos do casal – os primeiros órfãos da Grande Guerra – sofreram durante os anos que sucederam a tragédia de Sarajevo, o descaso da família imperial austríaca, as perseguições dos nazistas durante a Segunda Guerra e a dos comunistas iugoslavos na Guerra Fria até que finalmente a família conseguisse recuperar parte do patrimônio perdido, como o Castelo de Artstetten, na Áustria, onde estão sepultados o arquiduque e a esposa e cujos tumbas contem a inscrição latina Iuncti coniugio Fatis iunguntur eisdem (Unidos no matrimônio, unidos pelo mesmo destino).

Com O Assassinato do Arquiduque, Greg King e Sue Woolmans ampliam as fontes históricas a respeito da Primeira Guerra Mundial e trazem para mesa de debates questões ainda não suficientemente esclarecidas sobre o conflito e seus personagens.

Por Rodrigo Trespach

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